quarta-feira, 1 de maio de 2013

Uma hora de ócio no dia mundial do trabalho (e observações corriqueiras do calmo centro Houstoniano)

No dia mundial do trabalho eu trabalhei. O mundo dentro do meu escritório trabalhava. O mundo quase  todo fora dele, no centro de Houston, também. O centro de Houston é um território particular. Apesar de esta ser a quarta maior cidade americana, o downtown não tem a personalidade agitada de um centro nervoso como é de se esperar nas grandes metrópolis. Pelo contrário, é calmo, organizado e frequentemente tão vazio a ponto de por vezes parecer fantasmagórico. Existem dois mundos no centro de Houston: a superfície e o subsolo. Não é sentido figurado: de fato existe uma extensa rede de túneis por baixo da terra, 6.4 km para ser exata. É muito comum encontrar forasteiros perguntando por que é que o centro parece tão morto na hora do almoço. É porque a maior parte da vida está seis metros abaixo da terra, de olhos bem abertos, aproveitando o ar-condicionado enquanto caminha por lojas, come em restaurantes, faz unha, paga conta em banco, vai ao barbeiro e leva o sapato para consertar. Aqui faz um calor dos infernos por pelo menos quatro meses do ano. E como estes americanos são muito engenhosos, resolveram construir um shopping center subterrâneo que cobre um perímetro de 45 quarteirões.

Eu, claustrofóbica que sou, gosto mais da vida do lado de cima onde é possível ver o sol. Um dos meu lugares favoritos de Houston é o Phoenicia, um verdadeiro tesouro para mentes e estômagos globais. Lá pode-se encontrar bolinho de bacalhau fresco, queijos do Chipre, vinho da Geórgia (aquela perto da Rússia) e pão sírio feito na hora. Além de tudo ser delicioso e do lugar ter um astral descontraído, os preços são bem acessíveis. Tenho gastado em média US$ 5 por almoço, enquanto que em outros lugares qualquer saladinha ou pad thai sai de US$9 - $13. Parece até piada, considerando que há quatro anos no centro do Rio de Janeiro eu pagava mais que isto em reais.

Muitas vezes almoço acompanhada dos colegas de trabalho, mas com frequência fujo com minha sombra para recarregar as baterias. Hoje fui buscar refúgio no Discovery Green, um parque a apenas um quarteirão de onde trabalho. Grama, brinquedos, restaurantes, laguinho e árvores. Nada extraordinário, mas numa cidade sem grande atrativos paisagísticos qualquer área verde está valendo. Outro dia vi uma mocinha de hijab (o véu muçulmano) entrar no Phoenicia e, assim como eu, dirigir-se ao Discovery Green. Ela sentou-se embaixo de uma árvore e ali ficou, degustando seu almoço e energizando-se em horário comercial. Assim como ela eu hoje também não queria falar com ninguém. Queria apenas observar a vida.  Americanos adoram puxar conversa com estranhos, característica que normalmente adoro, mas hoje meu corpo queria poupar palavras e ver detalhes em excesso. Minha superfície vestia vermelho, mas meu subsolo usava beige. E quando parei vi jovens mães brincando com seus bebês. Algumas faziam competição de barquinhos miniatura movidos a controle remoto. Do outro canto do parque o Centro de Convenções exibia placa da exposição no NRA (National Rifle Association). Uma bela asiática de shortinho micro e cabelão na cintura passeava com seu também micro cachorro fashion de pêlo cinza. No seu requebrado a caminho do outro lado da rua. Uma rua chamada desejo. Dois senhores de cabelo grisalho, com idade para serem seus avôs, acompanhavam cada passo do seu requebrar. Quando ela já quase desaparecia no horizonte eles se entreolharam com suspiro na retina como quem diz"ai no meu tempo." Dois homens de meia-idade negros e altos, vestindo bermudas e chapéu fedora, conversavam em tom animado. Uma moça fantasiada de executiva ria nervosamente tentando tirar o salto alto que ficou enfiado entre as madeiras do deck do lago. Um homem também fantasiado de executivo devorava um cachorro-quente. E à minha esquerda criancinhas de fralda se esbaldavam nas fontes que escalavam do chão ao céu, desaparecendo e re-aparencendo lá na frente para seu deleite. E para o meu. Uma correria de meninos, tanta água, tanto riso que mal reparei no céu cinzento, tímido de sol e de chuva. Eu queria era pular naquela fonte, correr pra cima e pra baixo, ser a louca do parque, rolar na grama, jogar areia pra cima e BAM, uma hora já havia se passado. Uma hora de almoço em dia útil americano é quase heresia. Em dias inúteis também. Almocei fast-food mas me re-energizei em slow motion. Porque trabalhar é fundamental, mas sentir o mundo é vital.







Um comentário:

  1. Neguinha, vc é demais... e, melhor do que blog, o facebook tem seus leitores. Fronteirices vai mais longe... Mommy

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