quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Fantasia

Batman e Robin tomam uma cerveja no canto do bar enquanto uma pata rebola com uma vampira. Quem se importa se no Brasil estão pedindo a volta da ditadura militar? Um zumbi abraça uma cowgirl. Uma deusa grega conversa com o Maverick de Top Gun e ali na TV mais uma cabeça rola de um facão do Estado Islâmico. Eu honro Frida Kahlo com suas flores  na cabeça e sobrancelha que não conhece pinça. Celebro sua coragem de agir à frente do seu tempo, sua arte cheia de cores e dores, sua latinidade sem desculpas. É Halloween, dia oficial de se permitir ser alguém além de nós mesmos, um carnaval por algumas horas enquanto o resto do mundo segue sendo o resto do mundo, cheio de beleza e horror.

O que estas fantasias dizem das nossas aspirações e desejos secretos? Acabo de me dar conta que minhas fantasias de Halloween têm sido, invariavelmente,  relacionadas com o meu então momento de vida. Quando o meu casamento estava em tremenda fase de teste eu fui Mulher-Maravilha. Quando eu finalmente me separei, me vesti de Medusa (certamente lá  nos antros no meu inconsciente havia uma vontade latente de transformar os homens em pedra). A minha Frida Khalo de 2014 foi uma expressão de autenticidade, já que como nunca na minha vida me senti tão bem dentro da minha pele, me distanciando do ego (alguns quilômetros já fazem a diferença) e descobrindo a minha voz.

A verdade é que vivemos em constante estado de Halloween, fantasiados de Ego da hora que levantamos da cama à hora de novamente fecharmos os olhos. Nosso incansável ego dita o que somos, o que dizemos, como agimos. E quando menos nos damos conta já viramos reféns de regras sociais e pressão pública. Falta autenticidade para dizer sim, para dizer não, para dizer que ama, que odeia, pedir perdão. Somos fortes quando devemos ser vulneráveis, insensíveis quando podemos ser gentis, generosos quando um pouco de egoísmo faria toda a diferença do mundo. Vestimos a bandeira da liberdade de expressão quando na verdade queremos que aqueles que pensam diferentes de nós vão todos tomar no cú. Deixamos uma vida inteira passar com medo de errar, medo de morrer, medo de falar, medo de ousar fazer aquilo que verdadeiramente acende fagulha na veia. Porque é muito mais fácil nos prendermos ao que conhecemos, mesmo que a nossa noção de verdade seja a vida que não queremos levar e as relações que não queremos ter.

Olha que eu me conheço como uma pessoa aventureira, mas ainda preciso ousar agir de forma diferente em diversos aspectos se eu quiser transcender. Amor sendo uma delas. Querer formar uma parceria é bem diferente de sentir amor. É preciso também reconhecer que até esta identificação em ser aventureira não é a minha identidade, mas apenas uma fantasia que eu vesti desde os primórdios da adolescência para poder transitar no mundo. Saber reconhecer meus pontos de total inautenticidade são o primeiro passo para as possibilidades de transformação. Tenho feito umas aulas de coaching de vida. Um dos exercícios recentes é o de identificar estas areas de inautenticidade. A ferramenta funciona assim:
1. Eu pretendo (______)
2. Mas na verdade, estou escondendo que (_____)
3. O resultado disto na minha vida tem sido (________)

Coloco a ferramenta em prática com o exemplo de um colega desta aula, a quem vou chamar de John.
1. John pretende que ele é durão e não precisa de atenção.
2. Mas na verdade, John está escondendo que foi uma criança obesa e por conta disto foi bastante humilhado. John cresceu, perdeu peso, mas aquela humilhação que ele sentiu nunca foi embora. Para sobreviver os abusos verbais, John decidiu que faria o estilo bad boy, usando roupas pretas, dirigindo uma moto Harley Davidson e não permitindo se apaixonar.
3. Na vida de John, o resultado de usar diariamente a fantasia de bad boy tem sido afastar mulheres que estavam interessadas nele, pois no fundo ele ainda sente-se feio e vulnerável.

Ao descobrir a raíz da inautencidade, é possível completar o passado. Em outras palavras, o passado passa a morar lá atrás, onde ele existe, e não mais no presente nem no futuro. A partir daí, é possível moldar a vida que se quer viver. Assim, ao abrir o seu guarda-roupa pela manhã, você pode escolher vestir o seu eu-autêntico e simplesmente viver de sentir e explorar. Você vive de possibilidades e não mais de medo.  Mergulhar nesta jornada não é exatamente fácil, mas é completamente transformador.

Qual fantasia você está vestindo hoje?