tag:blogger.com,1999:blog-39795984385136509072024-03-05T11:48:40.386-06:00FronteiricesJuliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.comBlogger61125tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-81696879960457306862020-05-11T13:20:00.002-05:002020-05-11T13:20:33.632-05:00Ruminagens sobre o presente<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgSZ31AA_wwRdIfw_hhcYOvhAbhPJJZR1uKpaQvYbQJknsA_goaRJH3_EUvZISVbwPaQyeJZGWY1e00EihPVF7H6NlfXj-BXrCzMLQY0T8QdBkek1mW2GQzGtz7h6ujaObRq8jYBBnpokBH/s1600/7401A6B0-9BC4-48FD-8C0A-A0BDAC178485.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="Juliana nas Termas de Caracala, Roma, Italia, janeiro de 2020" border="0" data-original-height="640" data-original-width="559" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgSZ31AA_wwRdIfw_hhcYOvhAbhPJJZR1uKpaQvYbQJknsA_goaRJH3_EUvZISVbwPaQyeJZGWY1e00EihPVF7H6NlfXj-BXrCzMLQY0T8QdBkek1mW2GQzGtz7h6ujaObRq8jYBBnpokBH/s320/7401A6B0-9BC4-48FD-8C0A-A0BDAC178485.jpeg" title="Juliana nas Termas de Caracala, Roma, Italia, janeiro de 2020" width="279" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">A autora nas Termas de Caracala, Roma, It<span style="-webkit-text-size-adjust: auto; caret-color: rgb(52, 52, 52); color: #343434; text-align: justify;">ália, </span>contemplando o passado romano num então presente janeiro de 2020</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<span style="-webkit-text-size-adjust: auto; caret-color: rgb(52, 52, 52); color: #343434; font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px; text-align: justify;">2020 começou com a paz de espírito de quem, aos poucos, vai se dando conta que maturidade não é </span><i style="-webkit-text-size-adjust: auto; caret-color: rgb(52, 52, 52); color: #343434; font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px; text-align: justify;">fake news</i><span style="-webkit-text-size-adjust: auto; caret-color: rgb(52, 52, 52); color: #343434; font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px; text-align: justify;">. Fui dormir antes da meia-noite. Há 25 anos, eu teria visto o alvorecer rosa dourado do ano novo cintilar num pé de caatinga às margens do meu nativo Rio São Francisco. Há 15 anos, no auge da minha boemia dos vinte e algo, eu teria acordado com o bater das ondas na areia da praia de Copacabana segurando uma garrafa de cidra barata como testemunha. Em 2020, despertei com os fogos de artifício na distância de algum lugar no inverno de Houston, Texas, onde construí meu atual lar. Cada foguete, uma fada do passado ao meu ouvido: “Escuta-me! Reverbero as explosões do seu coração de outrora! Vem reviver a minha chama! Injeta festa na alma!” Senti o coração pulsar centímetros cúbicos a mais de nostalgia enquanto um novo ano se abria. Aí então o cérebro mudou a marcha, passando da ré para o sonho da viagem de férias que estava prestes a ocorrer. Porém, virei para o lado, dei um beijo na testa do meu marido que já roncava em uníssono e dormi com a leveza dos que já viveram o suficiente para destilar recordações e planos sem se embriagar. A beleza do amadurecer está nisto: o presente começa a ganhar a batalha sobre o passado e o futuro. Jamais saberia eu, que cerca de três meses depois daquela noite, o mundo iria parar em proporções semi-apocalípticas e que eu teria que rever o conceito de estar presente para lidar com a pandemia do século.</span></div>
<span style="font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px;"><br style="margin: 0px; padding: 0px;" /></span><span style="font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px;">Dali a poucos dias, eu partia para a cidade eterna, Roma, em uma das muitas viagens que tive o privilégio de vivenciar. Acompanhei o nascimento da minha sobrinha, filha da minha irmã que por aquelas bandas há alguns anos se instalara. Foram três semanas de um sentimento arrebatador de plenitude: cercada de família, da chegada de uma nova vida, de descobertas e gargalhadas terapêuticas entre as icônicas ruínas do império romano. A minha vida naquele momento parecia estar completamente no lugar. Foram tantos anos batalhando dilemas - trabalho, saúde, mudança de país, casamento, dinheiro, ter ou não ter filhos e tudo mais que caiba nos parênteses - sempre aguardando a chegada da tal estabilidade. Naqueles dias de janeiro eu finalmente me brindava com taça de cristal, saboreando cada momento do meu presente, mas consciente do meu privilégio, consciente do que construí no sentido material e psicológico e consciente, sobretudo, de que todas aquelas experiências extasiantes eram passageiras. Entre cursos de <i style="margin: 0px; padding: 0px;">life coaching</i> e o arsenal paramilitar de auto-ajuda da Internet, aprendi que a vida é impermanente. E não deu por outra. A viagem intercontinental de volta ao Texas já anunciava que o mundo tomava outras dimensões e que a humanidade caminhava em areia movediça. </span><br />
<span style="font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px;"><br style="margin: 0px; padding: 0px;" /></span><span style="font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px;">Máscaras nos aeroportos. Os olhares de terror e asco a mim dirigidos quando espirrei no terminal. Em semanas, o mundo social se fechou e a vida se recolheu para dentro de casa. O nirvana romano virou página do passado e não houve maturidade ou <i style="margin: 0px; padding: 0px;">life coaching</i> suficiente para aguentar o tamanho da transformação (ou perceber de imediato que a realidade estava dando a oportunidade de um toque de recolher espiritual). A ruptura foi cavalar. Como me firmar na realidade se a realidade era tão imprevisível? Foi difícil me firmar no presente. A mente viajava em velocidade supersônica para lugares escuros: haveria emprego? Meus pais vão morrer? Irei parar num hospital entubada sem a possibilidade de contato humano? Em diversas ocasiões precisei respirar com meditação guiada para não perder o eixo. E aí veio o clarão da transcendência na forma de um curso <i style="margin: 0px; padding: 0px;">online</i> para enfrentar os novos tempos: a realidade é que a vida nunca foi, não é e nunca será previsível. Repito: a vida não é, nunca foi, nem nunca será previsível. Pensar de forma contrária é pura ilusão. </span><br />
<span style="font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px;"><br style="margin: 0px; padding: 0px;" /></span><span style="font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px;">Antes de COVID-19 nada garantia que sairíamos de casa pela manhã e retornaríamos sãos e salvos para o jantar. Nada garantia que nossos sonhos seriam alcançados ou que nossos corações não se partiriam em mil pedaços. Ainda que eu tivesse metas e planos, passei boa parte da vida recolhendo os cacos dos sonhos que não afloraram. A realidade sempre deu um jeito de se mostrar rainha e ai de nós, virgem Maria, ao tentarmos resisti-la. Existe receita sim para enfrentar o incerto: a não-resistência. Aceitar o presente imperfeito que chega com máscaras respiratórias, distanciamento social e adiamento de planos. Aceitar o presente é nada mais que aceitar o óbvio, ente escorregadio que uma hora faz total sentido e em outro gangrena horizontes. Lembrando que o presente também passará, pois uma das poucas leis universais é a da impermanência. Não confundir com passividade: existe lugar para a luta, mas é necessário ser estratégico. A luta, neste contexto, é pela volta da saúde coletiva, pelo afastamento da doença ou da possibilidade da morte: lutar é lavar as mãos, descontaminar as sacolas de supermercado, ficar em casa (vale também lutar para descontaminar a sociedade das cegueiras político-sócio-econômicas pré-isolamento e talvez agora seja o momento mais adequado). </span><br />
<span style="font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px;"><br style="margin: 0px; padding: 0px;" /></span><span style="font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px;">Ainda não é momento para fogos de artifício. O mundo segue repleto de cadeados que limitam o nosso ir e vir e há uma longa estrada pela frente até a estabilização da curva e a criação de uma vacina. E por isto mesmo, se assim o presente desejar e não puxar o meu tapete, esta noite vou deitar antes da meia-noite, dar um beijo no meu marido e dormir determinada a pensar que em meio de toda esta bagunça ainda vivo cercada de amor, saúde e privilégios. Porque é no presente que vivemos.</span><br />
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; caret-color: rgb(52, 52, 52); color: #343434; font-family: "Open Sans"; font-size: 13px; margin: 0px; padding: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px;"><o:p style="margin: 0px; padding: 0px;"></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; caret-color: rgb(52, 52, 52); color: #343434; font-family: "Open Sans"; font-size: 13px; margin: 0px; padding: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; caret-color: rgb(52, 52, 52); color: #343434; font-family: "Open Sans"; font-size: 13px; margin: 0px; padding: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit; margin: 0px; padding: 0px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; caret-color: rgb(52, 52, 52); color: #343434; font-family: "Open Sans"; font-size: 13px; margin: 0px; padding: 0px; text-align: justify;">
<i>Texto publicado pela primeira vez em 11 de maio de 2020 na coluna Amigos que Escrevem, <a href="https://www.extraforte.net/2020/05/ruminagens-sobre-o-presente-juliana.html" target="_blank">blog Café Extra Forte. </a></i></div>
<br />Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-44237785883350443122014-11-20T18:45:00.001-06:002014-11-20T18:50:44.160-06:00Fantasia<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXdvr7zzp-ZvGp-WgjD3U4hPAZ5qsB52RmytQdu8r2ZQb3a5ZsybzQaXSuyXjum3Ini4FrP5SHKUAqSR1xhVq8y0WyqhCpt7wxKiLnnxq2Hrrc2uivOERTvsV3RkgZBVyk4ma9MyokkP85/s1600/photo+(2).JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXdvr7zzp-ZvGp-WgjD3U4hPAZ5qsB52RmytQdu8r2ZQb3a5ZsybzQaXSuyXjum3Ini4FrP5SHKUAqSR1xhVq8y0WyqhCpt7wxKiLnnxq2Hrrc2uivOERTvsV3RkgZBVyk4ma9MyokkP85/s1600/photo+(2).JPG" height="320" width="240" /></a></div>
Batman e Robin tomam uma cerveja no canto do bar enquanto uma pata rebola com uma vampira. Quem se importa se no Brasil estão pedindo a volta da ditadura militar? Um zumbi abraça uma <i>cowgirl</i>. Uma deusa grega conversa com o Maverick de Top Gun e ali na TV mais uma cabeça rola de um facão do Estado Islâmico. Eu honro Frida Kahlo com suas flores na cabeça e sobrancelha que não conhece pinça. Celebro sua coragem de agir à frente do seu tempo, sua arte cheia de cores e dores, sua latinidade sem desculpas. É Halloween, dia oficial de se permitir ser alguém além de nós mesmos, um carnaval por algumas horas enquanto o resto do mundo segue sendo o resto do mundo, cheio de beleza e horror.<br />
<br />
O que estas fantasias dizem das nossas aspirações e desejos secretos? Acabo de me dar conta que minhas fantasias de Halloween têm sido, invariavelmente, relacionadas com o meu então momento de vida. Quando o meu casamento estava em tremenda fase de teste eu fui Mulher-Maravilha. Quando eu finalmente me separei, me vesti de Medusa (certamente lá nos antros no meu inconsciente havia uma vontade latente de transformar os homens em pedra). A minha Frida Khalo de 2014 foi uma expressão de autenticidade, já que como nunca na minha vida me senti tão bem dentro da minha pele, me distanciando do ego (alguns quilômetros já fazem a diferença) e descobrindo a minha voz.<br />
<br />
A verdade é que vivemos em constante estado de Halloween, fantasiados de Ego da hora que levantamos da cama à hora de novamente fecharmos os olhos. Nosso incansável ego dita o que somos, o que dizemos, como agimos. E quando menos nos damos conta já viramos reféns de regras sociais e pressão pública. Falta autenticidade para dizer sim, para dizer não, para dizer que ama, que odeia, pedir perdão. Somos fortes quando devemos ser vulneráveis, insensíveis quando podemos ser gentis, generosos quando um pouco de egoísmo faria toda a diferença do mundo. Vestimos a bandeira da liberdade de expressão quando na verdade queremos que aqueles que pensam diferentes de nós vão todos tomar no cú. Deixamos uma vida inteira passar com medo de errar, medo de morrer, medo de falar, medo de ousar fazer aquilo que verdadeiramente acende fagulha na veia. Porque é muito mais fácil nos prendermos ao que conhecemos, mesmo que a nossa noção de verdade seja a vida que não queremos levar e as relações que não queremos ter.<br />
<br />
Olha que eu me conheço como uma pessoa aventureira, mas ainda preciso ousar agir de forma diferente em diversos aspectos se eu quiser transcender. Amor sendo uma delas. Querer formar uma parceria é bem diferente de sentir amor. É preciso também reconhecer que até esta identificação em ser aventureira não é a minha identidade, mas apenas uma fantasia que eu vesti desde os primórdios da adolescência para poder transitar no mundo. Saber reconhecer meus pontos de total inautenticidade são o primeiro passo para as possibilidades de transformação. Tenho feito umas aulas de <i>coaching</i> de vida. Um dos exercícios recentes é o de identificar estas areas de inautenticidade. A ferramenta funciona assim:<br />
1.<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Eu pretendo (______)<br />
2.<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas na verdade, estou escondendo que (_____)<br />
3.<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O resultado disto na minha vida tem sido (________)<br />
<br />
Coloco a ferramenta em prática com o exemplo de um colega desta aula, a quem vou chamar de John.<br />
1. John pretende que ele é durão e não precisa de atenção.<br />
2. Mas na verdade, John está escondendo que foi uma criança obesa e por conta disto foi bastante humilhado. John cresceu, perdeu peso, mas aquela humilhação que ele sentiu nunca foi embora. Para sobreviver os abusos verbais, John decidiu que faria o estilo <i>bad boy</i>, usando roupas pretas, dirigindo uma moto Harley Davidson e não permitindo se apaixonar.<br />
3. Na vida de John, o resultado de usar diariamente a fantasia de <i>bad boy</i> tem sido afastar mulheres que estavam interessadas nele, pois no fundo ele ainda sente-se feio e vulnerável.<br />
<br />
Ao descobrir a raíz da inautencidade, é possível completar o passado. Em outras palavras, o passado passa a morar lá atrás, onde ele existe, e não mais no presente nem no futuro. A partir daí, é possível moldar a vida que se quer viver. Assim, ao abrir o seu guarda-roupa pela manhã, você pode escolher vestir o seu eu-autêntico e simplesmente viver de sentir e explorar. Você vive de possibilidades e não mais de medo. Mergulhar nesta jornada não é exatamente fácil, mas é completamente transformador.<br />
<br />
Qual fantasia você está vestindo hoje?<br />
<br />
<br />Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-61307766396560326392014-10-21T21:32:00.003-05:002014-10-21T22:12:05.957-05:00Buscando tutano nos embalos de sábado à noite<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjubfdbmbUmbSB28PJkGb-xMh4Kmiwfri6_fAeYSxKXgE5YVymfpmBT7c1qHPFEOFHQs_tRlOduSt8_Az3eips6bpdTIKxxE22eX2DdYRK-1WRvMHOkDTpDGAtQQlYQFNjPR0mBv2lVLMXR/s1600/photo+(1).JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjubfdbmbUmbSB28PJkGb-xMh4Kmiwfri6_fAeYSxKXgE5YVymfpmBT7c1qHPFEOFHQs_tRlOduSt8_Az3eips6bpdTIKxxE22eX2DdYRK-1WRvMHOkDTpDGAtQQlYQFNjPR0mBv2lVLMXR/s1600/photo+(1).JPG" height="240" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
Sábado à noite de alma irrequieta. De uma hora para outra
esta cidade tornou-se um pêndulo, movimentos que não variam de um lado para
outro, uma constância enfadonha de bares e gentes e seres da noite e
gargalhadas e taças de vinhos e três segundos de ilusão num balcão de bar.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>No espaço deste ano sair na noite
transitou de uma opção da minha nova liberdade para uma espécie de ritual
proletário de final de expediente, algo que clama por batom vermelho e salto
alto, mas também por substância, mas olha só eu procurando tutano nos lugares
errados. Em balcão de bar encontra-se copo e não medula. Em pista de dança
encontra-se muito desejo e quase nada de massa encefálica. Mas, vez por outra,
encontra-se ternura na face do medo.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Naquele sábado eu usava calça jeans e um par de texanas
botas vermelhas.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Não era dia de
caça. Era dia de rever um antigo casal de amigos num microscópico bar do outro
lado da cidade, o clássico houstoniano <a href="http://www.shakespearepub.net/" target="_blank">Shakespeare Pub</a>, reduto de amantes de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">blues</i>, quase todos homens e mulheres
brancos de meia-idade. O lugar é escuro, as mesas de sinuca ao fundo estão
quase sempre vazias e as doses de bourbon <i style="mso-bidi-font-style: normal;">on
the rocks</i> são generosamente bem servidas por simpáticas garçonetes que mal
completaram 21 anos de idade. O clima é família, quase uma aberração no meio da
cena bar.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E a música – ah, a
música! Doses colossais de pura beleza, guitarras elétricas que rasgam o espaço tilitando
ondas sonoras de hipnotizar tímpanos, retina e coração. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Naquela noite o cantor parecia uma reencarnação de um Robert
Plant de 30 e poucos anos. Seus longos cachos louros desciam abaixo dos ombros.
Sua voz era viril e intensa como as botas que usava: texanas, couro de
jacaré, bico pontudo de prata. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Sua guitarra tocava um som estilo Austin, Texas, um <i>blues</i>
salpicado com rock e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">country</i>, mas assim,
um tempero bem de leve, quase como uma pitada de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">fleur de sel</i> só para dar gosto.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Era impossível tirar os olhos e ouvidos do mini-palco. Sua
presença enchia todo o ambiente. Sua voz derretia o gelo do meu <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><a href="https://www.makersmark.com/" target="_blank">Maker’s Mark.</a></i> Até o momento em que os
holofotes voltaram-se para o meio do salão. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Usando uma blusa do Texans, o time profissional de futebol
americano de Houston, shorts curtos, tênis e meias brancas até o meio das
canelas, um senhor de cabelos branquinhos e cara enrugada roubou a cena.
Reconheço que tempos atrás eu teria sentido aquela leve vergonha por sua
pessoa, pela expressividade da sua pessoa, por sua falta de estilo – ou
melhor, pelo seu tipo de estilo. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Shame on
me</i> e na humanidade por chamar de ridículo aquilo que não nos cai bem! Mas
nestes dias em que meu coração aprendeu a sentir mais e meu senso crítico a<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>clamar menos, eu vi naquele salão vazio
um homem que não estava nem aí para ninguém, feliz com sua dança desajeitada, seus dedinhos apontando para o teto e
suas compridas meias. E alguma coisa naquela autenticidade mexeu comigo. Mais
um gole e fui ao seu encontro. Foram uns dois minutos de <i>blues</i> e quadris em movimento dançando frente a frente antes da música acabar. Voltei para minha mesa.
Meus amigos romenos sorriam para mim com ares de aprovação. O senhorzinho das
meias brancas sentou-se conosco. Seus olhos eram claros, mas naquele lugar escuro
era difícil dizer se azuis, verdes ou cinzas. Eram olhos de quem viveu muitos
anos, muito além da minha vida. Com uma voz rouca, me disse “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">thank you, really.” </i>E com dificuldades
na fala, proferiu sua sentença: “Acabei se ser diagnosticado com câncer de
garganta.” Explicou que aquele era o último dia em que poderia beber antes de
começar a quimioterapia. Ele tinha 71 anos, mas parecia 10 anos mais velho. Com
uma garrafa de cerveja na mão ele me olhou mais uma vez e me agradeceu por ter
feito daquela noite algo muito especial para ele, ainda que por poucos minutos
de dança num salão desabitado. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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<div class="MsoNormal">
Eu não posso dizer que conheço a cara da morte, mas eu vi a
cara de quem quis fazer um brinde à vida quando ela parece correr do nosso
controle. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Naquela noite, depois
daquele encontro, eu dancei sozinha no salão quando ninguém dançava, nem mesmo
o senhor de meias brancas com sua última garrafa de cerveja. Eu cantarolei as
melodias das canções que eu não sabia. Eu saí dali para botar o papo em dia com
uma amiga que não via há muito tempo. Eu falei o que me deu vontade, sem filtros, e sei que não necessariamente agradei, mas falei o que eu precisava dizer. Naquela noite eu fui
dormir pensando que, de fato, o amanhã nada mais é do que uma grande ilusão e
que é possível, ainda que por um apanhado de minutos, encontrar beleza em face à
tragédia. E, inclusive, tutano em salão de bar.</div>
Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-5918938389803600242014-10-19T17:25:00.000-05:002014-10-20T08:54:56.561-05:00A vida na outra margem do rio<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAdCgxHBfDm8LT-x_9u9XYjrZ0cwjUFdeWWy1HrA1OL54oCVBtQeAGHtEfcaZUUe7ia756CfkV2b5JPoAc5M-5MQBiHwy-rUnsZVKEaQ2sruQEtdM47FGkKeZONBRDbz_GB8tAwOqFal62/s1600/photo.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAdCgxHBfDm8LT-x_9u9XYjrZ0cwjUFdeWWy1HrA1OL54oCVBtQeAGHtEfcaZUUe7ia756CfkV2b5JPoAc5M-5MQBiHwy-rUnsZVKEaQ2sruQEtdM47FGkKeZONBRDbz_GB8tAwOqFal62/s1600/photo.JPG" height="240" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">De braços abertos no rio Sava em Belgrado, Sérvia, agosto de 2014</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu atravessei para a outra margem do rio e o mundo que
encontrei é belo e bruto. As dores ficaram para trás e as cicatrizes já sumiram
com pomadas de humildade, compaixão própria, amizades sinceras e chá de
camomila antes de dormir. Se precisar de referências,<a href="http://fronteirices.blogspot.com/2013/10/nadando-sigo-entre-margens.html" target="_blank"> leia o meu <i style="mso-bidi-font-style: normal;">post</i> anterior</a>.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Meu braços hojes são fortes, talhados em introspecção e ioga.
Porque é preciso ter braços fortes para se construir o futuro. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E um músculo cardíaco que bate em
uníssono com a vontade de explorar. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O desafio inevitável é navegar o presente e erguer as pontes
para o amanhã. O meu presente hoje é de mulher profissional trabalhando no 47o andar de uma torre fincada no centro financeiro de uma grande metrópole
norte-americana. De mulher solteira re-descobrindo de que são feitas as conexões
entre homem e mulher e, neste exercício, rindo com as aventuras que aparecem no
caminho ou choramingando os desencontros e os eventuais encontros com ogros no
meio da estrada. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Vida de filha que
daqui pra frente quer passar mais tempo perto dos pais, seja fisicamente ou em
espírito.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Vida de explorar novas
amizades e de reavaliar aquelas que já não mais se sustentam porque as
diferenças de valores passaram a gritar mais alto que as semelhanças. Vida de
quem aprendeu a dizer não a maior parte do tempo. Mas ainda há muitos nãos a
dizer. E, como não podia deixar de ser, uma sacola cheia de sins. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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<div class="MsoNormal">
O meu presente hoje é de tentar achar o meu lugar no mundo,
tirar o olho do umbigo e pensar no legado que deixarei para a humanidade. De
que valem os títulos e as torres se a energia não está focada para o bem comum,
para o melhoramento da nossa espécie humana, para a quebra das correntes, para
o esfalecimento do medo? Neste último ano vi que um dos dons que possuo é o de
aconselhar mulheres profissionais <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a
viverem plenas vidas profissionais, sem medo de negociarem salários, de
sentarem-se `a mesa junto aos tomadores de decisões, de pedirem as merecidas
promoções. Estou moldando projetos em cima disto, nada muito concreto, apenas
emaranhados de pensamentos e vontade. Vamos ver para onde me levará a próxima
aventura. Espero que em minha vida ainda haja muitos rios por nadar, de preferência
em águas mais calmas e transparentes.</div>
Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-76032880759251918902013-12-29T15:21:00.002-06:002013-12-29T15:21:21.917-06:00Que venha 2014 <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHk27nemuZcTo3AjsquieMXT7wPXVL7yCFF3kZO8V8mxklWRxDrc21QybcClm02XvgTv18TgJuiYyVzhlZZUWkyyTd63CmruSAjYaAHtnZHjlW-lAe-XxqCz04NgIp3JSLCGFUSQSXbh4S/s1600/fogo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="272" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHk27nemuZcTo3AjsquieMXT7wPXVL7yCFF3kZO8V8mxklWRxDrc21QybcClm02XvgTv18TgJuiYyVzhlZZUWkyyTd63CmruSAjYaAHtnZHjlW-lAe-XxqCz04NgIp3JSLCGFUSQSXbh4S/s320/fogo.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Que venha 2014, porque eu tou cuspindo fogo. 2013 foi ano de
fazer das tripas coração. E também pulmão e pele e hálito e cérebro e pés
(agora cheios de escamas de tanto nadar em águas profundas). </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Que venha 2014 porque este dragão germinando na garganta quer
falar, crescer, voar e derreter o ferro das velhas correntes - somente para
mais tarde forjá-las em belas jóias de adornar a alma. Um bracelete das cinzas
da outra vida é sempre um lembrete para não repetir os velhos erros. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Que venha 2014, pois em 2013 eu morri algumas vezes, mas
remendei os pedaços caídos<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>e no
processo descobri do que sou feita: de medo e auto-dúvida, mas também
de resiliência, coragem e sonho. Cabe a cada um fazer das cicatrizes um fardo
ou um belo colar. Minha opção é clara: eu escolho a beleza, sempre.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Que venha 2014, pois já sinto a leveza no ar e me permito
ser bailarina alada destas doces brisas mornas, voando em busca de graça e
recebendo o mundo como ele é. O tempo da fabricação de ilusões nada mais é que
um punhado de memórias. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Que venha 2014, pois 2013 foi um túnel longo, longuíssimo,
por oras frio e escuro, mas ousei atravessá-lo e já escuto as sinfonias das
conquistas que me esperam. O volume, meus caros amigos, só cresce a cada passo.
Há tanta música no mundo e eu não consigo encontrar horas suficientes para
dançá-las. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal">
Que venha 2014, pois o fogo que sai de dentro não tem água
nem sonrisal que possa apagar. Como é bom queimar na fogueira das renovações e
descobrir que é possível parir uma fênix. E nela fundir-se. </div>
Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-18308838655893711042013-10-18T10:35:00.002-05:002013-10-18T10:36:56.308-05:00Nadando sigo, entre margens<div class="yiv0589138664" id="yui_3_7_2_1_1382022783261_6707" style="background-color: white; color: #454545; font-family: garamond, 'new york', times, serif; font-size: 19px;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBwVWUd6q8SQ_RM48nxTSk5A6X0c7ZmUti0iPaSBBeEGPnw1uAVkI6NlPr22jhjo4Q-TEjcccC8VAw3Lk3GFJdVZ69nTAjLjAw0dXhU-lUxxNmJHsTaO7TWB2WqdDxbrzZDYirWCrleOZs/s1600/swimming.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="239" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBwVWUd6q8SQ_RM48nxTSk5A6X0c7ZmUti0iPaSBBeEGPnw1uAVkI6NlPr22jhjo4Q-TEjcccC8VAw3Lk3GFJdVZ69nTAjLjAw0dXhU-lUxxNmJHsTaO7TWB2WqdDxbrzZDYirWCrleOZs/s320/swimming.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<i>Foto: 1000dias.com</i></div>
<br />
Sou fã de histórias de amor. Histórias de amores possíveis e impossíveis. Histórias de amores que começam com arroubos avassaladores de paixão ou que gradualmente afloram da leveza das amizades. Vive-se para amar e somente um cínico poderia discordar desta verdade. E assim chego hoje, humilde, aceitando que a minha história de amor acabou.</div>
<div class="yiv0589138664" id="yui_3_7_2_1_1382022783261_6707" style="background-color: white; color: #454545; font-family: garamond, 'new york', times, serif; font-size: 19px;">
<br /></div>
<div class="yiv0589138664" id="yui_3_7_2_1_1382022783261_6707" style="background-color: white; color: #454545; font-family: garamond, 'new york', times, serif; font-size: 19px;">
Desnecessário descrever (ou seria necessário?) a dor do processo no qual, durante muito tempo, a alimentação diária foi um coquetel Molotov de toxinas emocionais enfiadas com agulha na veia.E ainda que meu coração tenha mais cicatrizes que as costas de Frida Khalo eu continuo a confiar nas virtudes provenientes das histórias de amor. A próxima dela sendo uma história de amor-próprio: eu amando e perdoando cada pedaço das minhas imperfeições e aceitando as escolhas que fiz na minha vida.</div>
<br />
<div class="yiv0589138664" id="yui_3_7_2_1_1382022783261_6704" style="background-color: white; color: #454545; font-family: garamond, 'new york', times, serif; font-size: 19px;">
</div>
<div class="yiv0589138664" id="yui_3_7_2_1_1382022783261_6701" style="background-color: white; color: #454545; font-family: garamond, 'new york', times, serif; font-size: 19px;">
Pois acredite, existe um grande presente proveniente da dor do fim das histórias de amor: uma gigantesca capacidade de transformação mental e espiritual com uma bússola apontando para um estado sereno de plenitude. A duração do processo depende da capacidade de adaptação ao novo. Divórcio é um troço que chacoalha as entranhas mitocondriais do espírito. Veneno, mas também antídoto. E a hora agora é de colocar a vida na balança, pois o momento invoca muitos “res”: re-pensar, re-organizar, re-começar. Abraçar a vida como um rio que flui mas que também tem margens delimitadas. Do lado de lá o passado. Do lado de cá o presente em confluência com o futuro. Uma vida de possibilidades onde talvez a mais relevante delas seja viver a vida que se quis viver, olhando para trás apenas para buscar forças nos pilares que lhe impulsionam para cima: família, amigos, Deus. Momento de buscar o divino dentro de si, lavar as feridas, se ver completamente nua, baixar a guarda, preencher os espaços vazios com esperança.</div>
<br />
<div class="yiv0589138664" id="yui_3_7_2_1_1382022783261_6712" style="background-color: white; color: #454545; font-family: garamond, 'new york', times, serif; font-size: 19px;">
</div>
<div class="yiv0589138664" id="yui_3_7_2_1_1382022783261_6703" style="background-color: white; color: #454545; font-family: garamond, 'new york', times, serif; font-size: 19px;">
Abraço, pois, a fronteira do lado de cá, onde reaprendo com os erros, onde perdôo quem me magoou e as mágoas que causei - aos outros e a mim. O processo inclui episódios de uma vida inteira e vai muito além do casamento dissolvido. Na fronteira do lado de cá eu celebro as bênçãos recebidas durante os anos em que estive casada e honro o homem com quem um dia eu quis dividir o resto da minha vida. Me encho de gratidão – e olha, pode espalhar por aí que gratidão é um negócio contagiante, correntes elétricas de um prazer inexplicável. Agradecer pela dor não é querer sofrer, mas saber honrar as provações da vida como mestres. Alquimia: botar o negativo num tubo de ensaio e fazer sintetizar um raio de luz dourada do outro lado.</div>
<br />
<div class="yiv0589138664" id="yui_3_7_2_1_1382022783261_6713" style="background-color: white; color: #454545; font-family: garamond, 'new york', times, serif; font-size: 19px;">
</div>
<div class="yiv0589138664" id="yui_3_7_2_1_1382022783261_6702" style="background-color: white; color: #454545; font-family: garamond, 'new york', times, serif; font-size: 19px;">
Estou em processo de trânsito. Já pulei do alto da margem do lado de lá e agora nado nas águas caudalosas do rio em direção ao outro lado. Em direção ao meu norte pessoal. Tenho esbarrado em pedras, me hipnotizado com o canto das sereias e pego carona em cardumes de peixes prateados jamais vistos. Me encanto e me assusto com a jornada, mas vejo os contornos da margem nova que se aproxima. A vista a quilômetros de distância já anuncia paisagens vislumbrantes, ainda que desconhecidas. É necessário seguir nadando.</div>
Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-90606051579212053782013-06-01T13:49:00.003-05:002013-06-01T13:49:54.339-05:00Entre ovos, lápides e o miolo da vida<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvuaEZhplxdITuUlz11U2sPOmpABYqdw5ekROiFTZgg2jOL2Du9SksdDZYN_a0GqGlXsyp-8ca-hywi-ucqKVSq5e4uTX9rDX9hkLIDLrX37CYXueXQF86m_vb38-kl-ZLhcxlNG52VXoU/s1600/DSC04753.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvuaEZhplxdITuUlz11U2sPOmpABYqdw5ekROiFTZgg2jOL2Du9SksdDZYN_a0GqGlXsyp-8ca-hywi-ucqKVSq5e4uTX9rDX9hkLIDLrX37CYXueXQF86m_vb38-kl-ZLhcxlNG52VXoU/s640/DSC04753.JPG" width="640" /></a></div>
<br />
<br />
Primavera na grande planície do meio-oeste americano. Brisa intensa de dar nó nos cabelos, nem morna nem fria. Um cheiro delicioso de terra orvalhada, uma tempestade que ficou só na ameaça, verdes plantações de trigo de perder de vista. Passei quatro dias nas tripas do Kansas, a 12 horas de carro de Houston, em meio a vilarejos empoeirados, vazios restaurantes de beira de estrada localizados nos fundos de postos de gasolina, fazendeiros monumentais vestindo macacão jeans, ovos por chocar encontrados nos cantos e pequenos cemitérios de lápides centenárias.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitaUT_XUIzlhsoDsxBZHJMgS5p75JA20vqcMhZOm2Ewnn2NOTiKVCjY9UCcW1rt8ZW4XkyCS7RVUZG5FyzbOD-vK_5sHWGCYesTbDEiyGcR-vGK9XqYpSWf7vGuNXTMQL6R2dKq0QQuA7k/s1600/DSC05078.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitaUT_XUIzlhsoDsxBZHJMgS5p75JA20vqcMhZOm2Ewnn2NOTiKVCjY9UCcW1rt8ZW4XkyCS7RVUZG5FyzbOD-vK_5sHWGCYesTbDEiyGcR-vGK9XqYpSWf7vGuNXTMQL6R2dKq0QQuA7k/s400/DSC05078.JPG" width="400" /></a></div>
<br />
Comi pão de canela num café <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Amish" target="_blank">Amish</a>, tomei banho em banheira com pata de leão numa casa de fazenda mal-assombrada, vi falcões voando lentamente à espreita de caça, levei choque em cerca elétrica com uma vaca olhando direto no fundo da minha agonia e fui batizada com mijo de tartaruga ao tentar salvá-la de um futuro atropelamento na beira da estrada. Mas um dos pontos-alto da viagem foi a reunião de 50 anos da turma da <i>high school</i> do meu sogro. Se tem uma coisa que eu acho extraordinária na cultura americana é a vontade sistemática de manter viva a tradição de reuniões anuais com pessoas que fizeram parte da sua adolescência. Repudiadas por uns e amada por outros, estas reuniões de turma fazem parte da cultura coletiva do país. O efeito deste encontro nesta errante blogueira? Indagações cerebrais em excesso sobre a vida que escolhemos, as histórias que nos descrevem (ou as histórias que acreditamos nos descrever).<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzd8_y29MAcLutm160YKDuGBcs2beq0FTDpZO9iUBbamxM31ZJKaB8-Nl3ncjliIVx-arqQk5jhatYj1l_WPU0pO_INuRO7RzsltglPB5Dnwk76VPCO-wtIIdUecnn8lII57okVcLdtf88/s1600/DSC04784.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzd8_y29MAcLutm160YKDuGBcs2beq0FTDpZO9iUBbamxM31ZJKaB8-Nl3ncjliIVx-arqQk5jhatYj1l_WPU0pO_INuRO7RzsltglPB5Dnwk76VPCO-wtIIdUecnn8lII57okVcLdtf88/s320/DSC04784.jpg" width="180" /></a></div>
Tarde de sábado. O Ramada Inn de Hutchinson, Kansas, população 42.000, acolhia ex-alunos da Arlington<i> High School </i>e seus familiares. A maioria havia se formado entre os anos 1955-1965. Algumas senhorinhas da turma de 1938 também marcavam presença. Uma delas andava em passinhos minúsculos e gesticulava em <i>slow motion</i>. Uma outra apresentava enorme vitalidade: me puxou para um canto e conversou sem parar, interessada não apenas em contar suas histórias, mas também, para minha surpresa, em saber um pouco das minhas. A maioria das 100 pessoas ali reunidas, quase todas de cabeça branquinha, havia comutado de cidadezinhas e vilarejos como Arlington, lar de 474 habitantes, ou Centralia, 500 residentes incluíndo meu sogro. Eu me sentia um peixe fora d'água. E era. A princípio eu tive vontade de sair correndo, mas apertei o botão do "isto é uma aula de antropologia viva, então aperte o cinto de segurança, aproveite o passeio e retire preciosas lições." A cada dois minutos eu escutava uma voz sussurrando "você está neste momento onde estava destinada a estar." <i>Sorry</i>, eu me permito estragar de vez em quando com mensagens de auto-ajuda.<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj6SQfWo1-V5lTcmZN0BP0-nw3s7d3ym75z5PoYZVW3hJDIaLl1TI01x-zpqhXFW3Slja6VNw_hI2FxYrl0VxNxX1LCWuRg41Qr4cSxk2Sx5Nmb0w-NsPYq4_K2f_2ON2w_ik28HXlwqfF3/s1600/DSC04793.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="179" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj6SQfWo1-V5lTcmZN0BP0-nw3s7d3ym75z5PoYZVW3hJDIaLl1TI01x-zpqhXFW3Slja6VNw_hI2FxYrl0VxNxX1LCWuRg41Qr4cSxk2Sx5Nmb0w-NsPYq4_K2f_2ON2w_ik28HXlwqfF3/s320/DSC04793.JPG" width="320" /></a></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVWKDyVLqtatvFGaicoY5D2a0d_jt5ZLaeEpzFdBtaNFmOEP67duTuMOBdsJGrSVr3NZ0F4x14A0JxTmEsXTzVaUln7FansuTnAWmifVvU3SOn-tmaz8RGXgyk-H3KIp8VE-UsXie-WT7K/s1600/DSC04795.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="179" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVWKDyVLqtatvFGaicoY5D2a0d_jt5ZLaeEpzFdBtaNFmOEP67duTuMOBdsJGrSVr3NZ0F4x14A0JxTmEsXTzVaUln7FansuTnAWmifVvU3SOn-tmaz8RGXgyk-H3KIp8VE-UsXie-WT7K/s320/DSC04795.JPG" width="320" /></a></div>
Havia ordem e uma certa formalidade na cerimônia. Num primeiro momento, uma recepção onde todos tinham a oportunidade de conversar entre si. Em seguida, todos em fila para o buffet que servia a tradicional comida <i>country</i>, farta em quantidade e minimalista no tempero à base de sal e pimenta-do-reino: rosbife, galinha frita, purê de batatas com molho de carne (<i>gravy</i>), espiga de milho cozida, salada de repolho adocicada (<i>cole slaw</i>), vagem e pão (<i><a href="http://thebarking.com/wp-content/uploads/2012/09/biscuit.jpg" target="_blank">biscuit</a>)</i>. De sobremesa, tortas variadas, como maçã e noz-pecã. Após o jantar, o apresentator, de púlpito e microfone, relembrava alguma aventura vivida décadas atrás nos arredores dos grandes silos de grãos que ainda armazenam toneladas de trigo e soja. E memórias.<br />
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Nostalgia era o sentimento da vez. Como parte da programação, o apresentador chamou alguns representantes da turma de mil novescentos e sessenta e poucos para irem à frente do púlpito e contarem suas histórias: "Assim como no jogo de futebol (americano) há quatro quartos de tempo, hoje vivemos o último quarto das nossas vidas. Não há razão para se preocupar em estar contando vantagem. Fizemos o que fizemos. A maioria de nós ou conquistou os objetivos almejados ou desistiu de buscá-los. Apenas compartilhe o que para você é importante." Exceto por uma senhora que elaborou mais o seu discurso, o que ouvi foram resumos quase monossilábicos para descrever um período de mais de 50 anos.</div>
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- Trabalhei como professora, tive dois filhos.</div>
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- Eu vendi carros, me casei com minha adorável mulher e fui feliz ao lado dela e das minhas filhas.</div>
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- Eu me formei. Comprei um caminhão. Vendi meu caminhão. Me aposentei.</div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2IaPE1Y9-49B5rsNfeuIt6yvrwJs720_LadO2QGurNb39iAUQWzCLJkxNOBHYFx_CXTvb59yCMLp16PKWSrOhSOzU2jhLtPCfpsVOckRpgh4hsNbva-FLWPF0_EqF9wUiVOCc5nkcCxj6/s1600/DSC04944.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2IaPE1Y9-49B5rsNfeuIt6yvrwJs720_LadO2QGurNb39iAUQWzCLJkxNOBHYFx_CXTvb59yCMLp16PKWSrOhSOzU2jhLtPCfpsVOckRpgh4hsNbva-FLWPF0_EqF9wUiVOCc5nkcCxj6/s400/DSC04944.JPG" width="400" /></a></div>
Não sei se foi foram as frases minimalistas ou o conteúdo exposto no excesso de simplicidade daqueles relatos, mas houve um choque imediato com minhas ambições. "Eu me formei. Comprei um caminhão. Vendi meu caminhão. Me aposentei." O indivíduo tem dois minutos para falar da sua vida e aquelas são as palavras que ele tem para compartilhar. O que aconteceu entre a compra e a venda do caminhão? Ou foi a sua vida um uníssono de carregamentos e descarregamentos de mercadoria com rosbife e purê de batatas para o jantar? E daí que sua vida tenha sido apenas a repetição do dia anterior? </div>
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Este meu ridículo ego à procura de grandes aventuras se viu às caras com medo do Mesmo. A Mesmice é o <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Papa-figo" target="_blank">papa-figo</a> que aterroriza meu sistema nervoso central. A Mudança é o bicho-papão de outra metade do mundo. Muitas vezes é o espelho que nos aterroriza, a subconsciente constatação de ver o nosso próprio reflexo no outro: como agimos, como pensamos e como inconscientemente desaprovamos aquilo que não queremos ser. Em certos casos, o temor vem da ausência de reflexo - em excesso, chama-se falta de empatia.<br />
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É pretensão demais dizer que o que eu quero para minha vida, ou o que dela tenho feito, é melhor ou pior do que as escolhas do Outro. Cada um deve conhecer a medida da sua felicidade. Para uns, é dirigir um caminhão. Para outros, é construí-lo. Eu sabia que a vida que a maioria daquelas pessoas escolheu não era a vida que eu quero para mim: uma vida arrodeada pelos mesmos contornos geográficos, o mesmo prato de bife com batatas e conversas sobre o tempo, o calor e o frio. Ao mesmo tempo, invejo sua simplicidade, pois a minha eterna experimentação é campo minado para uma ansiedade frequentemente dilacerante. Se tem uma coisa boa que aprendi nas mensagens de auto-ajuda do mundo pós-Internet é que a comparação é um veneno feroz que sufoca a felicidade plena.<br />
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Considerando que morrerei de morte morrida e não de morte matada, é possível que eu chegue aos noventa e alguma coisa (e se for, espero que com <a href="http://fronteirices.blogspot.com/2013/05/a-silfide-de-cafeina-nos-olhos.html" target="_blank">olhos de cafeína</a>). Neste caso, e tomando emprestada a metáfora do apresentador, atualmente este seria o segundo quarto da minha vida. Atingi uma série de objetivos que me me dei em ocasião da minha formatura da <i>high school </i>numa pequena cidade rural de Iowa. Alguns deles, larguei no meio do caminho porque já não faziam mais sentido. Também falhei miseravelmente na busca de outros, mas aprendi que o importante é não desistir. Há muitas lições aprendidas quando saímos da estrada e a eterna otimista em mim acredita que com esforço é possível ajustar o GPS interno e voltar à rota original.</div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8GBb5FztMCP_qw-MBG0-87yezcO5sWcI7WR6go7yaIEMoOIKurgP3-QIW58wVy4LqTd9Q4EH8_mJALSPCKbXjjlQ7CAkuIZVbZMsXhSdy1r4h_Uw64efhyG4yzgxo43oVPTHthmAqJtah/s1600/DSC04877.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8GBb5FztMCP_qw-MBG0-87yezcO5sWcI7WR6go7yaIEMoOIKurgP3-QIW58wVy4LqTd9Q4EH8_mJALSPCKbXjjlQ7CAkuIZVbZMsXhSdy1r4h_Uw64efhyG4yzgxo43oVPTHthmAqJtah/s400/DSC04877.JPG" width="400" /></a></div>
Recentemente uma grande amiga me contou das suas aulas na <i><a href="http://www.theschooloflife.com/" target="_blank">School of Life</a></i>. Entre os exercícios, um deles é escrever em dez linhas o que você fez da sua vida. Um outro é escrever, também em dez linhas, o resumo da sua vida incluíndo tudo o que você quer fazer daqui para a frente. Andei brincando de rabiscar estas coisas. Crítica que sou, não estou satisfeita com o resumo dos meus feitios. E me assustei com os rascunhos do que estaria por vir. Me assustei com o óbvio. Eu quero comprar um caminhão, pintá-lo de laranja e purpurina prateada, colar penas de falcão, levantar vôo e sair voando por aí catando histórias.<br />
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8x4DoWJ8hsqxaaqPnjreiLMeQ66L3bgYJtZA6HRo_lbtwy3eDyEs6lR9s2IGjeahG4iQBr2M9WUqVo-rumiQDWyWktGyNb4uR5jCdH-q7ZZI432ItBmDpELbp9xyWLqgbvM6uyL_V4EfZ/s1600/DSC04845.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8x4DoWJ8hsqxaaqPnjreiLMeQ66L3bgYJtZA6HRo_lbtwy3eDyEs6lR9s2IGjeahG4iQBr2M9WUqVo-rumiQDWyWktGyNb4uR5jCdH-q7ZZI432ItBmDpELbp9xyWLqgbvM6uyL_V4EfZ/s320/DSC04845.jpg" width="180" /></a></div>
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Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-7425294972728876072013-05-20T21:44:00.002-05:002013-05-20T21:44:37.652-05:00A sílfide de cafeína nos olhosSe aparecesse por trás de uma cortina iluminada por incandescentes holofotes seria fácil chamá-la de sílfide. Sua sombra mostraria o contorno do corpo magrinho e delicado exaltando a mais romana feminilidade. Um par de pernas longas e perfeitamente contornadas, uma cinturinha de se abraçar com as duas mãos. Trajava um vestido dois palmos acima do joelho, lilás com flores brancas. Ou seria o contrário? Um vestido saído das páginas de um livro de moldes de boneca de papel. Andava com graça, vigor e auto-confiança do balcão de atendimento à mesa do pátio em encontro ao sol.<br />
<br />
No curto intervalo em que apareceu naquele café na manhã de domingo tomou pelo menos duas xícaras cheias de java. E eu me enchi de interrogações. O que será que escutava por baixo dos brincos de camafeu? Que cores discernia por trás dos olhos marcados de delineador azul intenso borrado? O mundo que a olhava via o Tempo. O mundo que <i>eu</i> olhava via o Tempo. Sua pele era o Tempo, enrugada em cada centímetro possível de epiderme, salpicada de <i>mochas</i> manchas, algumas do tamanho de tâmaras, gordas manchas de tantas décadas, uma para ano vivido e mais umas dezenas para suas próximas reencarnações. Não era possível decifrar se o penteado despenteado e obsecado de laquê era indicação de texicanidade, de excentricidade ou de loucura. Seu cabelo era do mais perfeito branco, aquele branco que só o Tempo sabe colorir. Eu, do alto dos meus castanhos cabelos tingidos naquela mesma manhã, tentava usar um pouco da sabedoria que o Tempo me concedeu: observar mais e julgar menos. Fracassei: mas como assim aquele vestidinho lilás? Tenho certeza que ela escutou meu inadequado pensamento. De xícara na mão seu olhar cruzou o pátio e foi parar no fundo da minha retina. Um sorriso dela e a resposta veio fácil. E <i>como não</i> aquele vestidinho branco de flores lilás? O Tempo chegou, mas com olhos de cafeína ela encapsulou seu jovem espírito e deu uma rasteira no Tempo. E em qualquer sinal do meu estúpido pré-julgamento.<br />
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<br />Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com10tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-53006105936674772512013-05-19T13:51:00.000-05:002013-06-01T11:15:57.716-05:00Americanizando: a caminho da cidadania<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEguRcDlr-JGlBBwlAIwr0bmEfF8W0E1GX64gcu6RPZBgEm99zahyphenhyphenTT7wzQhOBybHDFa6j9KCsPdMmEaTUetTzTzsdfZ1M9_wlVzxftugytHulWJ7WbkhyQezNb8XuUYkZPWPomydKEUrk2E/s1600/flag.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEguRcDlr-JGlBBwlAIwr0bmEfF8W0E1GX64gcu6RPZBgEm99zahyphenhyphenTT7wzQhOBybHDFa6j9KCsPdMmEaTUetTzTzsdfZ1M9_wlVzxftugytHulWJ7WbkhyQezNb8XuUYkZPWPomydKEUrk2E/s1600/flag.jpg" /></a></div>
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-Quem é o chefe do supremo tribunal de justiça dos Estados Unidos da América? - perguntou a oficial de imigração, obviamente latina de nascimento por conta do sotaque, do sobrenome e das características físicas.<br />
-John Roberts - respondi.<br />
- Quantos representantes tem a Câmara dos Deputados?<br />
- 435.<br />
- Em que mês se vota para presidente nos Estados Unidos?<br />
- Novembro.<br />
- Quem é o pai da nossa nação?<br />
- George Washington.<br />
<br />
Eu precisei estudar 100 questões sobre conhecimento cívico, histórico e geográfico dos Estados Unidos e acertar seis de dez perguntas na minha entrevista final para virar cidadã americana. Também era necessário escrever uma resposta para mostrar meu entendimento básico do idioma inglês. Precisei jurar, sobre pena de ser julgada por crime de perjúrio, que nunca fiz parte de uma organização nazista, que nunca pertenci ao partido comunista, que não sou terrorista, que juro lealdade a este país e que estou disposta a portar armas em nome dos Estados Unidos da América. Foram quase quatro anos de muita papelada preenchida, duas entrevistas, três visitas a escritórios diversos para tirar fotografias e impressões digitais e cerca de US$2.000,00 em tarifas burocráticas, mas em um mês eu participarei da última etapa do processo de cidadania, o juramento à bandeira.<br />
<br />
Saí da entrevista com emoções à flor da pele, tentando digerir o significado de tudo aquilo. Abracei o meu marido, figura chave em todo este processo, um americano que quer se tornar brasileiro, e chorei. Um choro profundo, lá do fundo da alma. Alegria, alívio, apreensão, tudo misturado. Minha jornada neste país, iniciada há 20 anos como estudante de intercâmbio cultural aos 16 anos, prestes a culminar num marco que eu, <i>not even in my wildest dreams</i>, jamais poderia imaginar. Correção. Minha jornada começou bem antes, aos 11 anos de idade, durante as aulas de inglês depois do colégio, quatro dias por semana, uma hora e meia por dia. O ET English TOEFL foi uma excelente escola de inglês fundada pelo professor Henry Sauerbraun, o Henrique, americano de Illinois que se mudou para Petrolina-PE nos anos 70, se casou com uma brasileira, teve filhos brasileiros e com seu forte sotaque português ensinou gerações de petrolinenses a irem muito além do <i>the book is on the table. </i>Hoje no céu onde mora tenho certeza que Henrique ensina às almas que voltarão ao mundo o prazer de explorar outras culturas. No seu caso, ele ensinava com orgulho e gosto a língua e a cultura da sua terra natal. Num sertão pré-Internet fascinado com o <i>American way of life</i>, foi o professor Henrique quem botou algumas toneladas de lenha na minha fogueira de exploradora da vida além das fronteiras da margem média do Rio São Francisco.<br />
<br />
Eu não sabia que os Estados Unidos não reconhecem a dupla cidadania. Tomei conhecimento deste fato somente durante a minha entrevista com a oficial de imigração. Uma vez cidadã americana, perante a justiça americana eu oficialmente deixarei de ser brasileira. Por outro lado, o Brasil reconhece a dupla cidadania, então poderei carregar os dois passaportes. O meu marido foi quem mais insistiu para que eu me tornasse cidadã americana. Como defensor público federal, o advogado que o governo providencia para acusados de crimes federais que não podem pagar um advogado privado, ele lida diariamente com imigrantes e já viu incontáveis casos de famílias serem divididas por conta de um dia o trabalhador, mesmo com seu <i>greencard</i>, ter sido deportado, acusado de algum tipo de crime como dirigir embriagado.<br />
<br />
Entre as minhas idas e vindas a este país - intercâmbio, faculdade, casamento - lá se vão 10 anos. Virar cidadã nunca foi o que me moveu a empreender esta jornada, mas sim uma consequência dela. Até porque, com minhas ciganices, eu sempre me imaginei morando em várias partes do mundo em diferentes momentos da minha vida. A verdade é que vontade por si só ainda não me levou a explorar este sonho por completo. Em toda a minha vida eu só morei em dois países. Os Estados Unidos têm um papel crucial na minha formação, naquilo que hoje sou e naquilo que um dia vou me tornar. Os Estados Unidos me trouxeram amigos leais e generosos, uma vida material confortável, um contínuo senso de motivação e um grande amor. Mesmo tendo que passar por todo este processo de entrevistas e papeladas, suas portas estiveram não apenas abertas, mas escancaradas para mim. Por tudo isto, <i>I'm proud to become an American </i>e também extremamente grata. Da mesma forma, apesar de voltar a Petrolina já não ser mais uma opção, ser brasileira, nordestina e sertaneja são fatores determinantes da minha personalidade e uma grande fonte de orgulho.<br />
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Como quase oficialmente americana, ainda brasileira e eternamente cidadã do mundo, juro lealdade ao eterno desejo de explorar, de expandir os horizontes e de entender que a Verdade depende em grande parte do seu interlocutor. Num mundo pós-Internet onde as distâncias culturais e geográficas são cada vez mais ténues, é necessário ter compaixão e empatia para não se deixar levar pelo pré-julgamento do que é certo e errado. Vale lembrar que para abrir os horizontes não é preciso cruzar oceanos. Um livro com idéias fora da sua zona de conforto, uma visita a um templo de uma religião que você não pratica e o degustar de um prato com um ingrediente novo são um excelente começo para o processo de desbravamento.<br />
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<br />Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-21972185756942846862013-05-12T18:59:00.002-05:002013-05-12T21:01:26.282-05:00Identidade cultural: o eu e o espelhoQuinta-feira, exausta após um intenso dia de trabalho, eu precisava espairecer ainda que em doses homeopáticas. Meu marido me liga dizendo que estava a caminho de um <i>happy hour </i>no <a href="https://www.facebook.com/CucharaRestaurant?fref=ts" target="_blank">Cuchara</a> onde encontraria um grupo envolvido com a comunidade latina de Houston. Gente nova, tequila e <i>triple sec</i> num dos meus restaurantes favoritos ressoaram como o substituto perfeito para a aula de ioga. O bom da vida é a surpresa: o que parecia ser um encontro corriqueiro em mesa de bar manifestou-se como aula viva sobre identidade cultural.<br />
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A mesa já estava posta com <i>chicharones</i>, <i>guacamole</i> e salsas. Algumas pessoas começavam a segunda rodada de margaritas. Quase todos integrantes do <i>Latino Giving Way</i>, uma organização filantrópica não-governamental que arrecada fundos para distribuir em projetos comunitários variados de assistência à enorme comunidade latina de Houston. Havia cinco advogados, uma secretária, uma enfermeira e um funcionário da TSA, a agência responsável por administrar a segurança em aeroportos. Era a primeira vez em que eu conhecia um agente da TSA fora do contexto detector de metais e surpreendentemente aquilo me pareceu extraordinário.</div>
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A conversa era solta, descontraída e o riso rolava fácil. Nestas rodas onde nem todos se conhecem a pergunta "vocé é de onde?" aflora naturalmente. Havia alguns mexicanos, mas a maior parte da turma era composta por americanos de ascendência mexicana. Quase nenhum deles falava espanhol. O fato de eu ser brasileira gerava tópicos para muitas perguntas. E na minha segunda margarita e sedenta de curiosidade perguntei "por que latino e não hispânico?" A mesa silenciou-se. Nata, uma jovem defensora pública federal que conheço há cerca de um ano soltou um "oh, isto é profundo." A moça que sentava ao seu lado, advogada de imigração, morena, cabelo joãozinho, tomou a liderança da resposta. Segundo suas palavras, hispânico inclui pessoas da Espanha, mas não dá para comparar a cultura e realidade latinas com os espanhóis europeus. "<i>You know</i>, eu nasci nos Estados Unidos, não falo espanhol e se eu tiver que me auto-caracterizar eu diria que sou <i>chicana </i>pois carrego uma bagagem cultural do México por conta da minha família. Por mais americana que eu seja, sempre fui rotulada como mexicana pelo simples fato de não ser branca." Para quem não conhece, "<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Chicano" target="_blank">chicano</a>," explicado aqui de forma simplista, é o termo usado para identificar o americano filho de mexicanos. Eu já li muita coisa ligada a identidade cultural, mas ouvir da fonte, sem academicismos, é bem mais prazeroso e autêntico. Uma a uma as pessoas começaram a dar seus relatos pessoais sobre o tema e o denominador comum era a divergência entre o que um sente e o que a sociedade rotula. É algo assim, como o espelho: um dia você se olha e vê a primeira ruga no canto dos olhos, mas dentro da alma você ainda é aquela jovem sonhadora de vinte anos atrás. </div>
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Veja John, um advogado que chegou à nossa mesa quando a tequila já borbulhava feliz na minha corrente sangüínia e eu adotava o nome de guerra Consuela. John é branco a ponto de ser quase cor-de-rosa, tem olhos azuis- acinzentados e cabelo loiro-grisalho como seus cílios. Pergunte para John de onde ele é e a resposta chega com inglês perfeito e sem um pingo de sotaque: "nasci aqui mas fui criado no México do jardim de infância ao colegial. Sou mexicano." Ouviu-se um grande <i>oh my God</i>. Todos, sem exceção, achavam que John era americano. Nos Estados Unidos, com sua cara nórdica e inglês perfeito, John foi aceito imediatamente como nativo do Texas. </div>
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Eu lembrei do homem que me vendeu cachorro-quente num estádio de futebol ano passado durante a <a href="http://fronteirices.blogspot.com/2012/04/miragens-canarinhas-no-drive-thru.html" target="_blank">partida Brasil x México</a> (na qual o Brasil perdeu vergonhosamente). Perguntei em espanhol se ele estava torcendo pelo México. Ele fez questão de enfatizar que era de uma quinta geração de texanos e que seu conhecimento de espanhol é limitado, mas para o resto do mundo ele sempre foi mexicano e mexicano sempre será. <i>In English</i>, ele me disse que estava torcendo pelo <i>Brazil</i>.</div>
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Mais recentemente, numa conferência de trabalho na Califórnia, conheci um grupo da tribo Navajo. Quase todos brancos. Uma moça de pele branquinha e belos olhos azuis me disse que cresceu sabendo que é Navajo, estudou em colégio indígena a vida inteira mas sempre foi tratada como forasteira pelos colegas da escola. Meu loiro marido, tatataraneto de Cherokee, tem sangue Cherokee na mesma proporção Navajo dela, mas para ele identificar-se como índio é muita forçação de barra. </div>
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Raça não é sinônimo de identidade cultural. Pode até ser um aspecto da identidade, mas não sua totalidade. O mesmo vale para o identificação sexual: um travesti pode ter nascido com pinto, mas sua alma é uma vulva aflorada. Talvez por algum instinto de sobrevivência milenar tenhamos a inclinação natural de agrupar as pessoas em silos estereotipados. Saber que cobra é cobra e que vai picar se cutucada é importante para manter-se vivo dentro do mato. A cobra pode até seduzir dizendo ser um carneirinho, mas o instinto ficará ligado esperando a hora do bote. </div>
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Tome por exemplo o meu alter-ego Consuela. A mexicana sentada ao meu lado apenas ouviu a parte que eu me apresentava como Consuela. Quando descobriu a brincadeira ela sorriu com alívio: "Fiquei sem entender nada, pois não apenas você é brasileira, como também é muito sofisticada para se chamar Consuela." Consuela, ao final de contas, soa demasiadamente colarinho azul dos confins da Sierra Madre, nada a ver com meu moderno cabelo curto e minha echarpe de seda. Na minha última viagem a Petrolina, minha cidade natal no sertão pernambucano, o dono de uma loja de artigos de couro perguntou se eu era "sulista." Meu sotaque pernambucano já mais suavizado, meu cabelo e a maneira de me vestir dissonavam dos seus clientes cotidianos. O senhorzinho ficou impressionado e até incrédulo quando soltei que eu era minhoca da terra.</div>
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Passei mais da metade da minha vida adulta nos Estados Unidos e em poucos meses devo obter a cidadania americana. Isto me tornará menos brasileira? Não. Identidade cultural é aquilo que reflete por dentro e não apenas por fora. Um tanto enorme de mim já se americanizou também: gosto do meu espaço e da minha individualidade, e quando faço perguntas quero respostas diretas e sem rodeios. Ultimamente tenho feito uns exercícios para identificar qual a minha missão na vida. Como não gosto de me limitar, acredito que eu tenha várias. Uma delas é o de quebrar estereótipos. Se o espelho e minha voz automaticamente entregam uma parte do que eu sou, que o resto de mim mostre ao mundo a riqueza de ser uma vira-latas com pedigree de cidadã do mundo. Enquanto isto saio por aí, tecendo um <i>patchwork</i> com as cores, ritmos e sabores que cato pelo caminho, atenta para não cair na tentação de rotular aquilo que desconheço. </div>
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Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-31564611158474415612013-05-08T08:01:00.003-05:002013-05-08T08:01:57.819-05:00Das coisas iniciadas e não concluídasTenho uma lista enorme de projetos iniciados e nunca concluídos. Coisas pela metade, pela terça parte. Coisas escancaradamente abertas como aqueles sobrados nas encostas dos morros recifenses, cariocas e jamaicanos: têm tijolo, cimento e parede mas falta acabamento. Minha vida tem sido assim, feita de puxadinhos sem reboco. A eterna necessidade de explorar também me causa falta de foco. E uma puta ansiedade.<br />
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Faz quase quatro anos que me mudei para o Texas e desde então explorei aulas de violão, tango, meditação em templo budista chinês e metalurgia para a confecção de anéis. Também esbocei pelo menos dois roteiros de filmes e outras duas idéias de negócios. Sem contar no francês iniciado no Brasil, o curso de vinho pela Internet ou as 238 vezes em que comecei uma dieta e parei. Ou este blog, salpicado com hiatos de mais de um ano. Iniciei cada um destes projetos com uma energia fenomenal, mas não tardava a esquecê-los com a mesma frenética velocidade. </div>
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Em Laredo cheguei a tocar uma música inteira no violão, mas agora, três anos mais tarde, não me pergunte onde fica o dó porque não vou lembrar. Hoje o violão acústico mofa no armário, sofrendo de esquecimento. Isto sim é de dar dó.</div>
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Ao me mudar para Houston descobri que há uma enorme comunidade tangueira. É possível dançar tango todos os dias da semana, nos mais diversos ambientes, como estúdios, restaurantes e casas de chá. Aprendi com o tango que não dá para se controlar tudo na vida: para ser a dama no tango é necessário confiar no parceiro, se deixar levar, deixar-se dominar. O tango foi praticamente um tapa na minha cara. Até hoje vou ao delírio com acordes de Piazzolla e com a beleza do baile, mas ainda não me conformo com a minha total incapacidade de tanguear. Foram 10 meses e dois pés esquerdos. Logo eu, a brasileira que sempre dançou. Como não eu, a moça que raramente se deixou descontrolar por completo. </div>
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A meditação foi outra revelação. Eu achava que meditar seria entrar num estado de êxtase, tipo, sei lá, um orgasmo sem clitóris. OK, péssima analogia, mas enfim, imaginei que minha alma fosse ser elevada a uma outra dimensão, uma viagem de ácido sem efeitos colaterais. Talvez esta forma de meditar até exista, mas confesso que ainda nem "googlei" esta possibilidade. Durante três meses eu ia ao templo do outro lado da cidade tentar esvaziar a mente de pensamentos errantes. A princípio parecia uma tarefa humanamente impossível, completamente contrária ao estilo de vida ditado pela nossa moderna e enlouquecida sociedade multi-disciplinar. Aos poucos fui aprendendo a dominar meu próprio cérebro. Sentia calma e um senso de controle. Um tipo de controle diferente daquele que eu não conseguia me desapegar nas aulas de tango. Não pratiquei meditação o suficiente para virar <i>expert</i> em libertar a minha mente e me concentrar apenas no aqui e agora, mas os ensinamentos aprendidos com aqueles jovens monges chineses ainda ressoam: "nada é permanente nesta vida, tudo passa. Apenas a mente fica." </div>
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Fiz dois semestres de aulas de metalurgia uma vez por semana. Eu acabara de voltar de uma semana na Jamaica. Vi uma rastafari vendendo seus colarzinhos na praia e senti uma enorme vontade de produzir algo também. Eu que nunca havia trançado nem pulseirinha de linha pulei direto para a aula de anéis em cobre. Manejei ferramentas que pareciam tiradas de um livro medieval de torturas. Descobri que cobre é um metal macio. Aprendi a fazer pátina e a soldar pedacinhos de metal tão minúsculos que seria possível confundi-los com grãos de areia. Atenção ao detalhe era crucial: ou tinha cuidado ou um naco do meu dedo ia embora no processo manual de serrar a prata. Metalurgia foi uma forma de meditação ativa. Foi uma das raras atividades onde me permiti viver o instante, estar presente, esvaziar a cabeça dos pensamentos aleatórios. Perdi o meu primeiro projeto, um chaveiro em formato abstrato, nos arredores de uma churrascaria. De uma carne que nem era tão boa assim. Liguei, voltei para procurar, mas nada. Fiquei arrasada. O chaveirinho de linhas minimalistas significava que eu era capaz de produzir algo palpável. Dei o terceiro e último projeto, um pingente de prata, para minha mãe no último Natal. Mantenho o segundo, um anel de cobre, sempre por perto. Foram pelo menos 12 horas para produzi-lo. Apesar de raramente usá-lo, olho para ele todas as manhãs e me lembro que quando me empenho sou capaz de concluir algo e produzir coisas simples e belas, ainda que em estado artesanal. Há beleza e saciedade num ângulo de 360 graus. </div>
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Embora eu tenha largado tudo isto no meio do caminho, estes projetos traduziram-se em pequenas grandes lições. Talvez este tenha sido o objetivo primordial deles na minha vida. Ainda tenho vontade de tanguear e destinar pelo menos 15 minutos do meu dia a meditação. Ainda adoro metais e bijouterias e de vez em quando bate uma vontade louca de começar um negócio nesta área. Uma coisa é certa: me auto-denominar uma exploradora da vida minimiza qualquer sinal da minha falta de compromisso. É ao mesmo tempo uma justificativa plausível e uma excelente desculpa. Posso olhar o recorrente padrão de comportamento de duas formas: ou tenho construído uma mansão sem reboco ou tenho embarcado numa viagem intergalática ao Centro da Liberdade. Ainda não tenho respostas. Ser pilota da própria vida é uma honra, mas talvez seja hora de parar para colocar os pingos nos is. Ou seria isto muito limitador?</div>
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Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-78707914012983808522013-05-01T23:07:00.000-05:002014-10-21T22:03:30.651-05:00Uma hora de ócio no dia mundial do trabalho (e observações corriqueiras do calmo centro Houstoniano)No dia mundial do trabalho eu trabalhei. O mundo dentro do meu escritório trabalhava. O mundo quase todo fora dele, no centro de Houston, também. O centro de Houston é um território particular. Apesar de esta ser a quarta maior cidade americana, o <i>downtown</i> não tem a personalidade agitada de um centro nervoso como é de se esperar nas grandes metrópolis. Pelo contrário, é calmo, organizado e frequentemente tão vazio a ponto de por vezes parecer fantasmagórico. Existem dois mundos no centro de Houston: a superfície e o subsolo. Não é sentido figurado: de fato existe uma <a href="http://www.downtownhouston.org/district/downtown-tunnels/" target="_blank">extensa rede de túneis</a> por baixo da terra, 6.4 km para ser exata. É muito comum encontrar forasteiros perguntando por que é que o centro parece tão morto na hora do almoço. É porque a maior parte da vida está seis metros abaixo da terra, de olhos bem abertos, aproveitando o ar-condicionado enquanto caminha por lojas, come em restaurantes, faz unha, paga conta em banco, vai ao barbeiro e leva o sapato para consertar. Aqui faz um calor dos infernos por pelo menos quatro meses do ano. E como estes americanos são muito engenhosos, resolveram construir um shopping center subterrâneo que cobre um perímetro de 45 quarteirões.<br />
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Eu, claustrofóbica que sou, gosto mais da vida do lado de cima onde é possível ver o sol. Um dos meu lugares favoritos de Houston é o <a href="http://vimeo.com/31746410" target="_blank">Phoenicia</a>, um verdadeiro tesouro para mentes e estômagos globais. Lá pode-se encontrar bolinho de bacalhau fresco, queijos do Chipre, vinho da Geórgia (aquela perto da Rússia) e pão sírio feito na hora. Além de tudo ser delicioso e do lugar ter um astral descontraído, os preços são bem acessíveis. Tenho gastado em média US$ 5 por almoço, enquanto que em outros lugares qualquer saladinha ou <i><a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Pad_Thai" target="_blank">pad thai</a></i> sai de US$9 - $13. Parece até piada, considerando que há quatro anos no centro do Rio de Janeiro eu pagava mais que isto em reais.<br />
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Muitas vezes almoço acompanhada dos colegas de trabalho, mas com frequência fujo com minha sombra para recarregar as baterias. Hoje fui buscar refúgio no <a href="http://www.discoverygreen.com/" target="_blank"><i>Discovery Green</i></a>, um parque a apenas um quarteirão de onde trabalho. Grama, brinquedos, restaurantes, laguinho e árvores. Nada extraordinário, mas numa cidade sem grande atrativos paisagísticos qualquer área verde está valendo. Outro dia vi uma mocinha de <i>hijab</i> (o véu muçulmano) entrar no Phoenicia e, assim como eu, dirigir-se ao <i>Discovery Green</i>. Ela sentou-se embaixo de uma árvore e ali ficou, degustando seu almoço e energizando-se em horário comercial. Assim como ela eu hoje também não queria falar com ninguém. Queria apenas observar a vida. Americanos adoram puxar conversa com estranhos, característica que normalmente adoro, mas hoje meu corpo queria poupar palavras e ver detalhes em excesso. Minha superfície vestia vermelho, mas meu subsolo usava beige. E quando parei vi jovens mães brincando com seus bebês. Algumas faziam competição de barquinhos miniatura movidos a controle remoto. Do outro canto do parque o Centro de Convenções exibia placa da exposição no <i><a href="http://www.chron.com/news/houston-texas/houston/article/Message-of-NRA-meeting-in-Houston-The-fight-is-4480968.php" target="_blank">NRA (National Rifle Association)</a>.</i> Uma bela asiática de shortinho micro e cabelão na cintura passeava com seu também micro cachorro <i>fashion</i> de pêlo cinza. No seu requebrado a caminho do outro lado da rua. Uma rua chamada desejo. Dois senhores de cabelo grisalho, com idade para serem seus avôs, acompanhavam cada passo do seu requebrar. Quando ela já quase desaparecia no horizonte eles se entreolharam com suspiro na retina como quem diz"ai no meu tempo." Dois homens de meia-idade negros e altos, vestindo bermudas e chapéu fedora, conversavam em tom animado. Uma moça fantasiada de executiva ria nervosamente tentando tirar o salto alto que ficou enfiado entre as madeiras do deck do lago. Um homem também fantasiado de executivo devorava um cachorro-quente. E à minha esquerda criancinhas de fralda se esbaldavam nas fontes que escalavam do chão ao céu, desaparecendo e re-aparencendo lá na frente para seu deleite. E para o meu. Uma correria de meninos, tanta água, tanto riso que mal reparei no céu cinzento, tímido de sol e de chuva. Eu queria era pular naquela fonte, correr pra cima e pra baixo, ser a louca do parque, rolar na grama, jogar areia pra cima e BAM, uma hora já havia se passado. Uma hora de almoço em dia útil americano é quase heresia. Em dias inúteis também. Almocei <i>fast-food</i> mas me re-energizei em <i>slow motion</i>. Porque trabalhar é fundamental, mas sentir o mundo é vital.<br />
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKS0DsTGiaxnRuqwh06sK9OAGEmXkqqVaw1SYTPsRMLRmuQM-QFElGxKJ4ou0n1KczmNIghfLcCD9LNY20aZAoTQ0AxMwKSj2ysE3-XcWZTQM8onhT9KierbQOo8tK9mo540vxMohAuONU/s1600/20130501_122031+%25281%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKS0DsTGiaxnRuqwh06sK9OAGEmXkqqVaw1SYTPsRMLRmuQM-QFElGxKJ4ou0n1KczmNIghfLcCD9LNY20aZAoTQ0AxMwKSj2ysE3-XcWZTQM8onhT9KierbQOo8tK9mo540vxMohAuONU/s320/20130501_122031+%25281%2529.jpg" height="320" width="240" /></a></div>
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<br />Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-90240293964714024022013-04-28T18:18:00.000-05:002013-04-28T18:33:27.340-05:00For All no Palco Cigano<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigpbfvdUPRzHvvnn6SRAj3GwbIWWGV9u5anAljT94sYi22nZ8G9BUL0cnRLD7UwWPSsv6WsN0RakfjfHIwv_jilMNrqSwTsNJkagBQY4rbpqcPH7rmy2n28GXiveaJcPQDps71A-nNflJF/s1600/matutos.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigpbfvdUPRzHvvnn6SRAj3GwbIWWGV9u5anAljT94sYi22nZ8G9BUL0cnRLD7UwWPSsv6WsN0RakfjfHIwv_jilMNrqSwTsNJkagBQY4rbpqcPH7rmy2n28GXiveaJcPQDps71A-nNflJF/s320/matutos.jpg" /></a>
Os melhores presentes são os inesperados. Assim, como encontrar um naco de goiabada dentro de um bolo de fubá. Ou se deparar numa noite de sábado cheia de relâmpago e trovão da primavera texana com uma banda de sotaque gringo arrepiando uma sanfona arretada logo antes dos mundialmente famosos Gipsy Kings entrarem no palco. Arre égua, e olha que era <i>For All<i></i></i> pra gringo nenhum botar defeito!<br />
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Eu arregalei os tímpanos quando ouvi o triângulo trianglando, incrédula por alguns segundos. “Peraí que este é meu território!” E lá dos fundos da casa de festas saí forropiando até a boca do palco, tiriquitim, tiriquitim, tiriquitim, dá licença aí que isto aqui tá muito bom, isto aqui tá bom demais! Da fila do gargalo eu presenciei tudo. O galego tinha uma sanfona furiosa. Abria a bicha pras esquerdas, esticava a bicha pras direita e ajafun ajafun ajafun, pelos primeiros cinco minutos de gemedeira eu quase pensei que o galego fosse piauiense batizado em Rajada. O batera tocava os tambores como se fossem zabumba. O guitarrista guitarrava como quem tinha tomado Pitú com rapadura. E com uma voz macia e a boca cheia de eRRes o galeguim cantou num folêgo só: “vem moRena nos meus bRaços, vem moRena vem dançar, queRo veR tu remexendo, queRo ver tu requebRar.” Eu requebrei até quase quebrar, dançando sozinha com meu braço como cavalheiro no meio da multidão. De quando em vez eu enfiava o mesmo braço na cintura de Nancy, uma animadíssima californiana-mexicana entendida da vertente salsa do bate-coxa nordestino, e a gente rodopiava junto. Andrea, argentina de sorriso fácil e integrante do trio de amigas em festa, sacudia pernas e braços familiarizada com aquele ritmo que havia escutado em alguma esquina de Buenos Aires. A maioria do povo, mesmo sem forrozear e desprovido de contexto daquele som tão diferente e contagiante balançava o corpo em aprovação. Os “Matutos” – sim este era o nome da banda – foram aplaudidíssimos. Matutada boa da peste!<br />
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Eu tenho certeza que naqueles vinte minutos de baile eu perdi os olhos e o nariz. Minha cara devia ser só dente de orelha a orelha, tanto era que eu sorria, ganhadora da loteria dos boêmios incuráveis. Aquele som serviu pra assoprar a poeira do cérebro. Em instantes revivi o Trevo, a casa de festa onde forrozei altas madrugadas adentro nos primeiros anos de adolescência. Candidamente conhecido como Trevas, era também o lugar onde prefeito, puta, motorista de ônibus, professora e doutô dançavam pacificamente até o próximo tiroteio. Vieram também `a mente as festinhas nas varandas das casas, onde Amelinha, Luiz Gonzaga e a trilha sonora de Top Gun conviviam harmonicamente embalando uma geração de petrolinenses. E vaquejada, festa de São João, quadrilha, Forró da Espora…meu lobo occipital era uma colcha de retalhos com tema Barraquinhas.<br />
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Os Gipsy Kings mandaram muito bem. Teve <i>djobi, djobi</i> e um <i>bamboleo</i> incendiário. Mas memorável mesmo foram aqueles rapazes de Nova Iorque arrebentando no fole, fazendo o coração desta meio americana mas <i>forever</i> nordestina zabumbar em perfeito compasso. Eles tocaram <i>for all</i>, mas a sanfonada de alegrias que ainda me faz sorrir foi todinha <i>for me.</i>Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-56615246964758343722012-04-28T10:29:00.001-05:002012-04-28T11:03:51.120-05:00Miragens canarinhas no drive-thruE eu que nunca fui fã ardente de futebol me vi completamente embriagada de temas canarinhos enquanto trafegava pelo <i>drive-thru</i> mexicano para comer minha refeição rápida de quinta-feira antes da aula. Discretamente no canto da janela, um poster: Brasil x México em Dallas, próximo 3 de junho. Foi como se de repente meu coração se transformasse em pandeiro. Tiricundum, tiricundum. Partida ainda nem iniciada, mas eu já sentia a bola na trave e a purpurina verde e amarela na cara. A foto de Ronaldinho Gaúcho, seus dentões, minha <i>tortilla</i> de milho com guacamole, meu coração já escalonando de pandeiro a tambor. Bum, bum, bum. Bumbum. Trópico de Câncer só no sapatinho com o de Capricórnio. Cadê minha sandália de prata, por quais esquinas as deixei ressecando ao sol? A arquibancada do Dallas Cowboy Stadium dentro do meu carro, os JR de blusa amarela batendo as panelas, petróleo jorrando pra matar a sede da torcida, vacas tocando cavaquinho, George Bush sambando um Brasileirinho e Júlio Cesar me defendendo das goleadas dos meus adversários. Mas quem se toca com a minha aflição? Valha-me meu Sam Houston, corre atrás daquela bola, obá, obá, obá! Mas que nada, a loirinha do cabelão de hairspray quer sambar também,<i> please, please, pretty, pleeeeease</i>, ensina esta rapaziada do norte a mexer as cadeiras porque requebrar é terapia e é preciso extravasar. O céu abraça a terra <i>y mi México querido baila caliente</i> no trânsito louco de quinta-feira à tarde. É hora do <i>rush</i> na minha vida e eu quero fazer pelo menos um gol de tabela. Mas ainda é preciso treinar, tá faltando concentração e eu tou me dando penalties em excesso.
Bi-bi. O carro buzina atrás de mim. Fiz uma leve barbeiragem, mas não chegou a ser um frango. É que eu tava ocupada demais furando o mp3 do iPod com Aquarela Brasileira na voz de Gal. Tiricundum, tiricundum, bum-bum-bum. Tou só esquentando os tambores. Banzo invade quando menos se espera, mas já juntei a torcida brasileira exilada em Houston. Dallas, aguarde-nos. Daqui a dois meses vai ter muitas fontes murmurantes matando nossa sede de samba, futebol, suor e carnaval. Gooooooollllllll!!!
<iframe width="420" height="315" src="http://www.youtube.com/embed/C-EQqV3FXTo" frameborder="0" allowfullscreen></iframe>Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-47185721580331269632012-01-01T22:18:00.000-06:002012-01-01T23:23:14.910-06:00De paetês e dragõesChegou trazendo seu peculiar ar de renovação que amorna corações ao redor do mundo. O Ano Novo é assim, o caçula de três irmãos, criança ingênua e risonha que seduz multidões e reina por alguns dias até ser substituído pelo amadurecido e pragmático Resto do Ano. Adormece num canto oculto da memória apenas para reaparecer com seu esplendor de fênix e mandar o atarefado Fim de Ano tirar merecidas férias. Ano Novo carrega uma sacola dourada onde os planos, os sonhos, os desejos e as resoluções dos mortais são devidamente acomodados. Mas então chega Resto do Ano, mais racional, menos emotivo, um soldado da norma e da realidade que toma a sacola do seu irmão mais novo e a acomoda no Grande Baú Universal das Belas Coisas Esquecidas ou Eternamente Postergadas. <br /><br />Durante minha existência minha contribuição ao Baú tem sido tão intensa que comecei a ganhar multas por excessos de listagem. No réveillon de 2010 para 2011 eu estava à beira da praia, sob a brisa de Tamandaré, litoral Pernambucano, me re-energizando com o amor da família após um agitado e confuso ano. No meu Moleskine de capa vermelha que carrego diariamente na bolsa (idéias e inspirações são entes saltitantes e fugazes; é preciso estar preparada para capturá-las), fiz minha listinha. Corrijo-me: minha listona. Foram tantos itens, praticamente um para cada mês do ano, que a lista já era praticamente um aborto. De 11 resoluções, várias delas emprestadas da lista de 2010, que por sua vez incluía trechos de 2009, apenas uma de fato aconteceu. Cinco eu considero parcialmente completas (começaram muito tarde no ano ou ficaram estacionados no meio do caminho) e outras cinco nem saíram do papel. <br /><br />Nesta virada não teve nem coqueiro nem mar, mas levei o mesmo Moleskine para o Houstonian, um tradicional hotel de luxo, ícone da cidade, onde eu receberia 2012 com brilho, música e muita festa. Reli a lista do ano anterior. Mentalmente fiz uma penitência equivalente a 30 açoitadas nas costas com chicote de rabo de boi adornado com afiadas lâminas de gilete (por que é sempre tão mais fácil se martirizar do que se parabenizar pelas metas conquistadas?). Há dias eu já havia mentalmente escrito a lista do ano que estava por entrar. Mas era final de tarde e eu não havia dormido quase nada na noite passada. Eu precisava me conectar ao espírito de 2012, mas primeiramente eu precisava descansar meu corpo exausto de 2011. A réstia de luz que entrava na janela do quarto pedia que eu encostasse minha cabeça naquele travesseiro enorme. Obedeci as vozes do meu corpo. Ironia: não preguei os olhos por culpa das vozes da minha cabeça. Superstições e ansiedades dominavam meu cérebro nas ultimas horas do reinado de Fim de Ano. Tipo, comprei uma calcinha de paetês pretos para combinar com o meu vestido. Calcinha preta no ano novo, como assim? Não fiz banho de sal grosso com ervas. Será que 2012 já está malfadado antes mesmo da sua entrada? Por que não gastei os U$ 5.000 com passagens áreas para mim e meu marido passarmos o final do ano no Brasil com minha família? Poderia ter economizado aqui, guardado mais ali. E será que um dia eu consigo terminar o roteiro de um filme? E se os Maias estiverem certos e o mundo acabar em 2012? E os livros que comecei a ler e não terminei? E aquele projeto que preciso entregar no trabalho? Tentava controlar os pensamentos sem direção. Onde estavam os ensinamentos da meditação quando eu mais necessitava deles? <br /><br />Decidi então, em apenas alguns minutos, que 2012 seria o ano de quebrar com tradições, a começar pelo próprio reveillon. 2012 seria sua coisa própria, algo de original em meio à minha mesmice. À meia-noite eu não me equilibraria no meu pé direito, não beijaria a boca do meu marido nem invocaria oração para São Jorge. Fiz apenas ligeiras listas mentais focadas não em objetivos práticos e mundanos, como “voltar a fazer aulas de violão”, mas em transformações mais profundas e espiritualizadas, como prestar atenção à minha linguagem corporal e nas reações que elas provocam nos meus interlocutores. Ouvir mais e falar menos. Desbloquear as correntes que me auto-imponho para subconscientemente me boicotar e não levar as listas de resoluções adiante. Não mais do que três e pronto. Ponto.<br /><br />Entrei no banho morno, sem sal nem ervas. Caprichei na maquiagem. Fiz o cabelo. Vesti o virgem vestido de paetês prata selecionado especialmente para a ocasião. Uma ceia saborosa, champanhe inesgotável, muitas risadas com os recentes amigos Houstonianos e uma saudade inevitável da minha família situada entre o sertão e o litoral pernambucano. A banda tocava clássicos de Sinatra. Senhores de ternos bem aprumados bailavam com suas elegantes senhoras. <span style="font-style:italic;">Ten, nine, eight, seven, six, five, four, three, two, one...HAPPY NEW YEAR</span>! Confeti e serpentina disputavam o espaço com centenas de balões de gás hélio. Ano Novo triunfante subia ao palco, criança linda e risonha carregando sua sacola de humanas resoluções e desejos, espalhando mais esperança do que todas as luzes e lantejoulas daquele salão de baile.<br /><br />Como dei uma trégua às tradições, não vi o dia raiar em 2012. Porém confesso que hoje, ao entrar num mercadinho ao lado de casa para comprar um sanduíche neste preguiçoso final de tarde de 01 de janeiro, senti algo acolhedor e especial. A tradição veio a mim. Ao lado dos vinhos, um Lampião em preto e branco. Acima do freezer de pizzas, um enorme painel a óleo de São Jorge matando o dragão. Imagens indecifráveis para americanos fora do contexto, mas totalmente inseridas na minha brasilianidade. Descubro que os quadros são de um artista plástico baiano que transita entre Houston e Austin. Há exatamente um ano na virada de 2011, eu vestia uma camiseta de São Jorge. Dois dias depois eu comprava no ateliê de Calazans no Alto da Sé de Olinda um quadro do casamento de Lampião e Maria Bonita. Não acredito em coincidências. É preciso entender os avisos. Que em 2012 eu seja promovida a cangaceira dominadora dos dragões que aparecerem no reinado de Resto do Ano.Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-13969260841046538592011-12-27T21:39:00.000-06:002011-12-27T21:41:19.107-06:00DescongelandoEstá descongelando. Hoje, a poucos dias do final de 2011, o Fronteirices renasce. Foram 17 meses hibernando. Corrijo-me. Hibernando é palavra errada. Segundo a Wikipedia <span style="font-style:italic;">en español</span>, “hibernar é um estado de hipotermia regulada, durante alguns dias, semanas ou meses, que permite aos animais conservar sua energia durante o inverno.” No meu caso, eu andei gastando muita energia num inverno pessoal longuíssimo de 17 meses onde meu mundo era um emaranhado incompreensível de decepções, descobertas, desilusões e belos momentos extraordinários. Entendo que não podemos contar com uma linearidade de bênçãos nas nossas vidas. Elas tem vontade própria, pernas longuíssimas que as vezes se cansam e por sua vez também hibernam, criando verdadeiros órfãos da esperança. <br /><br />Permita-me justificar minha ausência deste cyberespaço. Vim para estas terras texanas cheia de vontade. Desejo de abraçar o mundo, explorar os meus limites, me reinventar. Durante os meses em Laredo o Fronteirices foi uma ferramenta valiosíssima de tradução das minhas descobertas e da manutenção da minha sanidade num momento de tantas transitoriedades. Ali estava eu me readaptando à vida em terras americanas, ali estava eu aprendendo a me casar e a conviver com todos os altos e baixos de um casamento. Tudo ao mesmo tempo agora, tudo sem bula exata, apenas as prescrições daquilo que se aprende da vida (linhas tortas cheias de incompletude). Mas quando minha vida pessoal realmente fugiu do meu controle, eu estacionei o carro numa esquina escura e saí perambulando atrás de respostas. Tive medo de me expor demais. Minha escrita é passional. Como negar a tempestade que havia transformado meu sangue em água fervente? O meu último post, <a href="http://fronteirices.blogspot.com/2010/05/imensidao.html">“Imensidão,”</a> já anunciava a areia movediça que só começava a subir pelas canelas. <br /><br />O bom do tempo é sua capacidade de colocar a vida em perspectiva. Passaram-se 17 meses (quase uma gestação de elefante!), e hoje já consigo agarrar os espaços azuis entre as densas nuvens. Transito neste momento entre a fronteira do caos e do novo de novo. Este novo sendo eu após a tempestade.Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-44486783597715773972010-05-04T07:57:00.000-05:002010-05-19T21:26:45.971-05:00Imensidão<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6ejsN6Gs3meMaI5bYIBYOGgUiMhrYcyEqDx-85hiRddPDpRdJIeww7z5h5VD2yAaYdxxy7J5rciYhHyg3yYbSkuAUcPEOBf0ajT4gazDd97Vd50ZZawKq4Pszav3MGxKGcbFGkbPYj-Ej/s1600/SEA.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 236px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6ejsN6Gs3meMaI5bYIBYOGgUiMhrYcyEqDx-85hiRddPDpRdJIeww7z5h5VD2yAaYdxxy7J5rciYhHyg3yYbSkuAUcPEOBf0ajT4gazDd97Vd50ZZawKq4Pszav3MGxKGcbFGkbPYj-Ej/s320/SEA.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5467128889008901698" /></a><br />Precisava me perder. Precisava me entregar para horizontes distantes, desprender-me da verticalidade da vida (crescer, ambicionar, ter rumo, ter planos, ser alguém). Nem que fosse por apenas uma tarde de um domingo preguiçoso. Precisava de brisa de sal para lavar desilusões e curar suspiros suspeitos em esquinas escuras. Todos carregamos ao menos um par deles na garganta ou debaixo do couro grosso. Um grito de gaivotas me chamava. Começou pequeno, delicado e cresceu a ponto de rasgar meus tímpanos. Entrei no carro. Ah, a estrada. A estrada rumo ao mar, um mar tão perto de mim, um mar a apenas uma hora de mim e eu, querendo fincar os pés no cimento da cidade, ia me esquecendo da minha metade peixe. <br /><br />A viagem fluiu com canções de andarilhos na voz de Elis. As curvas da estrada de Santos eram agora a reta de 60 milhas da trilha Houston-Galveston. <br />Esperava uma Galveston feia e cinza, ainda semi-destruída com a passagem do furacão Ike há um ano e meio. Ninguém nunca me falou nada belo a respeito das suas praias. Temia ver a <a href="http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=derramamento-petroleo-golfo-mexico-visto-espaco&id=020175100429">infame mancha de óleo que se alastra pelas águas do Golfo do México</a>. Como representante da raça humana, morri de vergonha perante a natureza. Então, ao me deparar com uma Galveston reluzindo baixo um calor quase tropical; uma Galveston de brisa refrescante e mar agitado abrigando uma coleção de ondas curtas porém frenéticas que procriavam espumas brancas; uma Galveston fênix totalmente reconstruída, sem resquícios de vendavais ou furacões e sem manchas de óleo pelo menos até onde a vista alcançava; ao me ver frente a frente a um horizonte de águas turvas que ensaiava tímidos tons de verde e azul, eu agradeci a todos os comentários denigrentes sobre aquela pequena cidade litorânea da costa texana. Nada melhor que se deliciar com a realidade vista a olhos nus após experimentar o mantra dos superlativos negativos advindos das experiências alheias. A minha primeira experiência em Galveston foi assim, de choque. Um choque bom o suficiente para acender meus receptores de sorrisos. <br /><br />De cara eu não quis reparar nos detalhes. Quis olhar o todo, me perder no todo, enxergar a água e cada formação ondular até onde não se consegue mais distinguir o horizonte do céu. Quis ver de longe, observar do alto como um satélite-espião, mas eu não conseguia ser tão soviética e me entregava à minha humanidade comendo bolinhos de carangueijo e tomando um chardonnay do outro lado da rua. Sobre meu crânio reinavam as esculturas do camarão-monstro e do carangueijo-monstro de três metros. Como gostam de Disneylândias estes americanos. Eu, tomada por apetites, degustava e contemplava. <br /><br />Nunca consegui meditar no sentido clássico de meditação, de fechar os olhos ou fazer ommmmm. Sempre tive medo. Medo de perder o controle. Medo de me deixar levar e nunca mais voltar. Eu que sempre quis me descontrolar e por vezes até quase cheguei a me permitir. Na maioria das vezes, porém, até mesmo os quase-descontroles foram calculados, salvo um punhado ou dois de passionalidade em situações extremas. Lembro de ter lido algo sobre "meditação contemplativa" e agora, olhando para trás, creio que aquele exercício de simplesmente observar as ondas e a praia se enquadra nesta categoria. De olhos abertos e observando a realidade que se debruçava pertante minha vista, minha pele, meus ouvidos, meus sentidos, não consegui pensar em nada a não ser no vaivém da espuma, no cheiro de maresia, na interação de homem, mulher e criança com água, pássaros e pedras. Minha mente estava focada somente naquele instante. Não havia nem antes nem depois, nem ápices de alegria ou de ira. Somente o agora e sua exatitude. Havia uma sensação de purificação naquela simplicidade. Não buscava respostas para nada, não vislumbrava mensagens em garrafas ou nenhuma forma de apoderamento divino. Cada inspirada de ar fresco e eu trazia um pouco daquela natureza para dentro de mim. Cada expirada, um pequeno ritual de exorcismo. <br /><br />Caminhei. Passei a observar os detalhes. As conchinhas esmagadas na areia escura, o muro da orla com grafitis de peixes e baleias, a água quebrando nas pedras, o pescador tatuado arrumando a vara de pescar, o surfista parafinando a prancha, o casal de mãos dadas nas suas cadeirinhas de naylon. Tirei as sandálias, caminhei até o mar. A areia era dura e a água mais fria que o esperado naquele dia de sol forte e amarelo. Me arrependi de não ter levado o biquíni. Em outras épocas eu teria me jogado na água de roupa e tudo (para determinadas situações os anos adicionam um certo enfrescalhamento na tomada de decisões). O ritual de lava-pés não substituiu um banho completo de sal grosso, mas já ajudava a diluir o cimento que a cidade tem depositado na minha sola. Não deu para criar escamas, mas enquanto a semana se desenrola, sinto uma pontada de barbatanas começando a coçar na coluna lombar. É preciso voltar ao mar.Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-53147334039437332272010-04-30T16:18:00.000-05:002010-04-30T16:23:44.204-05:00A debutante e a noivaHá um conjunto de três fontes no bairro de Montrose em Houston que me faz lembrar um trio de pudim, manjar e quindin. Água que flui com uma leve lembrança visual e degustativa de recordações infantis. Fazia um friozinho de arrepiar os pêlos do antebraço naquele final de tarde de março, mas as moças que visitavam as fontes para eternizar momentos em incontáveis fotografias digitais faziam questão de deixar os ombros desnudos apesar da opulência dos seus vestidos-fantasia. Ombros delicados, como delicados são os ritos de passagem. Num lado da rua, uma debutante <em>quinceañera</em>. Do outro, uma noiva. Ambas em seu dia de glória, ambas inundadas em fontes e sonhos e suspiros. <br /><br />A debutante de vestido azul-quase-neon era o retrato fiel de uma princesa Disney em versão latina. Um vestido de gosto duvidoso para padrões alta-costura, mas que lhe caía bem. A menina que cresceu com Internet, celular e acesso a tantos estilos mas que ainda preferia tradição. Eram tantos os arames das suas anquinhas que ela mal conseguia se sentar sobre a grama do parque. Eram tantos os falso-brilhantes do seu vestido que eles desputavam a atenção dos transeuntes com a luz dourada daquele final de tarde. Mas a <em>quinceañera </em>era de fato encantadora, feminina, delicada nos gestos e reinava confortável no seu lado da rua entre os flashes fotográficos e os olhares que recebia. Sabia sorrir para a câmera em posada naturalidade. Duas mulheres a acompanhavam o tempo inteiro enquanto cobriam-lhe de fotografias. Uma delas, possivelmente sua mãe, sua versão caseira de fada-madrinha. Seu príncipe, se é que ele existia, cavalgava em outros reinos. <br /><br />A poucos metros a noiva levantava o vestido branco e exibia as suas também muito brancas pernas até o joelho. A longa cauda do traje arrastava a réstia de luz do pôr-do-sol e as lembranças da cerimônia de seu casamento que deveria ter ocorrido aquela tarde. Já não havia mais buquê em suas mãos – àquela altura, ele já pertencia a outra dona que ainda aguardava seu rito de passagem. Agora era chegada a hora de se entregar para a brisa levemente gelada, de manchar o vestido de terra, de descalçar os sapatos vermelhos e enfiar o pé na grama macia. Era hora de se deixar abraçar pelo seu homem que a rodopiava pelos ares enquanto os flashes do fotógrafo contratado eternizavam cada segundo de movimento e os carros que faziam o contorno das fontes-pudim buzinavam em celebração.<br /><br />Eram duas moças-borboletas batendo suas asas na tarde de sábado. A vida é repleta de momentos-casulo. Uma menininha que virou mocinha. Uma mocinha que virou mulher. O que a vida lhes ensinou sobre a condição feminina era impossível de ser desvendado. Sabe-se apenas que elas oficializavam seu novo status junto a suas famílias, seus amigos e sua comunidade. Velhos hábitos ficaram para trás. Uma delas possivelmente já assinava um novo nome. Era a hora de novos rituais.<br /><br />Houve um momento de encontro. Caminhando em direções opostas, a <em>quinceañera </em>e a noiva cruzaram-se. Prestaram atenção numa mulher que tomava nota daquele momento em seu Moleskine e num mendigo de jaqueta de couro e adereços punk que se deixava notar. Entreolharam-se, sorriram e parabenizaram-se em pouco menos de três segundos. Cada uma seguiu para seu reino, soberanas princesas texanas de uma babilônica cidade.Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-38224950904704951222010-04-01T21:47:00.001-05:002010-04-11T14:42:53.268-05:00Aportando em HoustonCheguei em Houston numa sexta-feira de um inverno frio e úmido. Dirigia um carro com uma gata em pânico que havia se cagado por inteira na gaiolinha no banco dianteiro, uma cachorrinha surpreendentemente comportada no banco traseiro, um porta-malas cheio de mudanças e um arrepio na boca do estômago inerente a quem está adentrando mais uma etapa de vida. Num intervalo de menos de um ano começava-se mais um capítulo de tudo novo novamente. Já deveria estar acostumada e tranquila, marinheira de longas estradas, mas há sempre um misto de animação, ansiedade, euforia e pânico nas beiradas do incerto. Na minha frente, meu marido pilotava o caminhão da mudança. Tudo <em>self-service</em>, mordomia zero. Nossa vida cabia numa carreta de caminhão de 6m x 2m. <br /><br />Eu finalmente deixava Laredo, bem mais cedo que o plano original do casal de ficar por lá por pelo menos dois anos. Durante meses minha cabeça foi uma placa de trânsito apontando para Houston, aquela metrópole tão distante dos estereótipos texanos que havia me surpreendido nas duas únicas vezes em que a havia visitado. Mas agora, justo agora, obviamente agora que Laredo ficava para trás, era o momento das humanas contradições. Eu sentia a pontada doce-azeda da saudade. Saudades dos amigos, da mexicanidade, da vida bilíngue, do tempero de taco em cada esquina, da sua feiúra, do seu papel grandioso em minha vida. Laredo que foi meu tempo de vida limbo, das "energias de renovação", termo que tenho lido com frequência em e-mails de amigos. Só agora, à distância, é que me dou conta dos elementos contidos em seu nome. Nunca consegui sentir o LAR em LARedo, mas ela se fez inesquecível e marcante. Laredo que carrega três notas musicais em sua composição. <br /><br />xxxxxxxxxxxxx<br /><br />Achei que fosse desmaiar ao me ver dirigindo em pleno engarrafamento colossal de sexta-feira na hora do <em>rush </em>do intrincado sistema de rodovias que cruzam a cidade. Ao passar em frente ao centro, com o carro preso no meio de uma <em>highway </em>de seis pistas, senti a cabeça ficar leve. Leve como quem vai desmaiar. Uma futurística <em>downtown </em>Houston se abria perante meus olhos: prédios gigantes, Robocops espelhados prontos para me devorarem, um céu com cores de dilúvio. Eu quase conseguia escutar o <a href="http://letras.terra.com.br/dominguinhos/45558/">Lamento Sertanejo, de Dominguinhos,</a> em versão <em>hillbilly rock</em>. Tive que encarnar meu alter-ego que tiro da manga em momentos de apavoramento gerenciáveis, como turbulências em avião ou grandes multidões. Já não estava mais acostumada àquela loucura metropolitana. A última vez que dirigi num trânsito louco foi no Rio de Janeiro há quase oito anos. Minha existência naquela cidade foi sempre marcada pelo transporte público. Em Laredo as distâncias eram curtas e o trânsito era "palpável". Em Houston eu temi jamais me acostumar. <br /><br />Chegamos no apartamento escolhido no único final de semana que tivemos para procurar casa. Apesar de ter morado em apartamento nos últimos 12 anos, voltar a morar em casa foi facinho facinho. Mas a vida inicial em Houston implicaria em mudanças. Não se pode ter tudo. Então adeus privacidade, espaço, jardim e quintal. O prédio é simpático, mas parece um dormitório de universidade. Mas eu agora moro num <em>loft</em> de pé direito alto, chão de cimento batido, cozinha integrada ao resto da casa, janelão, parede da sala sem acabamento, canos e pipas de ventilação aparentes pelo teto. Um <em>loft </em> pequeno e charmoso, mas convenhamos, de mentirinha. Porque na verdade não é um <em>loft loft</em>, e sim um apartamento <em>em estilo</em> <em>loft</em>, habitado por médicos, estudantes, eu, meu marido e um exército de cachorros, todos sedentos por consumir a atmosfera loftiniana que nos faz sentir tão urbanos e modernos. <br /><br />Sobre a bancada da cozinha havia uma caixa com tulipas coloridas que eu havia encomendado para o aniversário de W., que completava 39 anos naquele exato dia. Brindamos com vinho turco e <em>kebabs </em>num aconchegante restaurante de mesma nacionalidade encontrado por acaso a duas milhas de casa. Ao lado dele, um bistrôzinho francês. Do outro lado da rua, o estádio da Rice University. Eu já estava apaixonada por aquela Babilônia. <br /><br />xxxxxxxxxxxxx<br /><br />Já passaram-se dois meses e neste intervalo tantas histórias. Ainda estou em estado de enamoramento com a cidade, mas prossigo sem entender sua alma. Houston continua sendo um mistério para mim. Há cidades que não se deixam descobrir com tanta facilidade. Outras, como o Rio de Janeiro ou mesmo Austin, aqui no Texas, são escancaradas. "Eu sou assim" e o "assim" é tão fácil de identificar. Houston é um caldeirão de culturas, idiomas, raças, etnias e temperos. Ainda não conheci nenhum Houstoniano e talvez por isto esta dificuldade em decifrar meus arredores. Tudo ainda é muito estrangeiro, literalmente. Houston exala uma certa frieza, mas há algo nela que me acolhe. É asfalto e é verde. Muita grama, árvores, flores, fontes e parques. É verdade também que ainda não parei para entrar a fundo em suas esquinas, nos seus recantos escondidos atrás das atrações turísticas. Não tenho sentido pressa. Mas gosto das descobertas feitas aos poucos: das esculturas escondidas no Hermann Park; do restaurante paquistanês para onde costumo fugir na hora do almoço e ser confundida com indiana ou paquistanesa; das 19 tartarugas tomando banho de sol no laguinho do campo de golfe do outro lado da rua onde moro; do taxista senegalês que já ficou nosso amigo; do café Bósnio simplérrimo e delicioso que lota ao meio-dia de sábado; do bar louge-chic do Hotel Sorella; da hospitalidade do meu primo e sua esposa que nos receberam tão bem desde sempre. Meu marido também descobriu uma prima que não via há mais de 20 anos. Bom ter família por perto. Bom ainda não conhecer tudo. Bom me sentir já tão à vontade dirigindo sozinha nas suas <em>highways </em>e avenidas de tráfego volumoso. Não há qualquer resquício de pânico.Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-87674828297592062152010-03-21T10:02:00.001-05:002010-04-01T21:44:57.810-05:00Novas fronteiras<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQygbg7NGpwDOzMN21Y5ugm8Csw8e8sRGOpQ4AutwWGr3DpU1BejfT-XUijbkirqV7hb4RmSc2gRj_VQpPoYJiHUlJwo3tkkS_NurbkTbkDKDVi5vezGwAGR6ibeq5Y9rpuFfngaRm6zXw/s1600-h/SUNRISE+SPRING+DAY.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQygbg7NGpwDOzMN21Y5ugm8Csw8e8sRGOpQ4AutwWGr3DpU1BejfT-XUijbkirqV7hb4RmSc2gRj_VQpPoYJiHUlJwo3tkkS_NurbkTbkDKDVi5vezGwAGR6ibeq5Y9rpuFfngaRm6zXw/s320/SUNRISE+SPRING+DAY.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5451113592275315714" /></a><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgP_ijizgFDKh0ZmrXHDA7fjQRHVrdInAhBDlCsqUfWqLP42iYVCu7tEKGri1G0LJ9lXOJSwnl2XVjaTIIu8QatDoHo9rMLKoYjULRwKSAFi_Q3z9bd7kjPG5fYjqyWBmzIw2I6OF4xpL7v/s1600-h/SPRING+AT+THE+LOFTS.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgP_ijizgFDKh0ZmrXHDA7fjQRHVrdInAhBDlCsqUfWqLP42iYVCu7tEKGri1G0LJ9lXOJSwnl2XVjaTIIu8QatDoHo9rMLKoYjULRwKSAFi_Q3z9bd7kjPG5fYjqyWBmzIw2I6OF4xpL7v/s320/SPRING+AT+THE+LOFTS.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5451113603425212914" /></a><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><em>Raiar da primavera do meu apartamento em Houston</em><br /><br /><br />É primavera + 1. Do dia para a noite as flores voltam a resplandecer suas cores na frente do meu prédio. A grama verde reluz orvalhos. O sol invade sem medo a janela da minha sala no 7o andar. As cachorrinhas sangram e se encarcam. A gata se contorce e geme sobre os móveis. A natureza em cio. Um dia após o início da primavera e meus dedos e minha mente e meu espírito e minha fala começam novamente a florir. Foi um inverno de algumas hibernações e outros tantos desbravamentos. Em dois meses de silêncio nestas Fronteirices eletrônicas, habitei uma nova cidade, adentrei uma nova casa, retornei ao mundo corporativo, vi os desbalanços que grandes mudanças podem trazer a um casamento e os desafios hercúleos para deixar a harmonia predominar. Nada que um nascer do sol vermelho e incandescente do tamanho do Texas no primeiro dia de primavera, acompanhado de uma chuva e vento gélido que em minutos levaram embora o hálito quente daquela fronteira entre escuridão e luz, não servissem de metáfora absoluta para esta vida yin yang. É exatamente por isto que, neste capítulo Houston da minha vida, decidi manter o título Fronteirices deste diário virtual. Fronteiras são e vão muito além que um mero marco geográfico. Vivemos entre o deixar de ser o que éramos ontem para ser o que somos hoje carregando sempre o que já fomos. Há sempre um desafio, um obstáculo, um rio ou um oceano para cruzar, nadar e nos afogar de vez em quando. A possibilidade de resgate é 50/50.Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-82026369082499304262010-01-24T23:49:00.000-06:002010-01-25T01:22:23.267-06:00SaudadeChega sem aviso. Não há alarme ressonando alto, não há placa no meio da estrada, não tem e-mail na caixa de entrada, nem carta selada no correio indicando sua vinda. Uma hora você está em paz, coloca aqueles sambas antigos na voz de Clara Nunes, "é água no mar/ é maré cheia ooooh", "morena de angola que leva o chocalho amarrado na canela", aí, de repente, peim. Está empossada. Possuída. Incubada. Vai percorrendo o sangue, apertando a carne, fazendo arder os olhos até enturvar a vista e o mundo ficar líquido. Sai uma, saem duas, saem três lágrimas grossas mas ainda dá pra cantar um "ninguém ouviu/um soluçar de dor/no canto do Brasil". Ferrou. A voz afina. A garganta é quase um túnel sem saída. A entoada é um soluçar de saudades num canto do Texas. Um choro em falsete. O coração cavado com colher (é possível sentir o músculo atrofiar). A mente momentaneamente (momentânea mente) conectada com o passado, com o bom do passado, aquelas rodas de samba, aquele Clube dos Democráticos, aquela Lapa carioca de tantas sensações. Não há tristeza, não há melancolia. Apenas saudade de algo que não volta mais e juro pelo São José enterrado de cabeça pra baixo no jardim na minha casa que eu não trocaria um dia desta vida nova por uma noite de samba com o meu mais fino suor derramando liras de Cartola. Foi-se o tempo, agora são novas trilhas sonoras, é preciso sempre viver novas canções, mas deixa eu aumentar o volume deste samba porque meu pranto é alto e eu quero este choro só para mim esta noite, para mim, para Clara e para Chico. E confesso que também para...bem, para Amelinha, meu segredo que só Cecília sabia e ela jurou que não contaria para ninguém nem sob tortura, mas <a href="http://letras.terra.com.br/amelinha/128259/">Amelinha cantando Gemedeira</a> é bonito demais da conta, "ai, ai, ai, é bom que dói, ui, ui, ui, chega a sangrar". E assim eu me entrego, valha-me Deus, tenho que ensinar meu gringo a dançar forró, a dançar <em>for all</em>. A dançar <em>for me</em>. <br /><br />PS: Lágrimas são banhos de descarrego. Meu corpo é agora mais leve que o ar.Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-1715966353233101022010-01-19T13:35:00.000-06:002010-01-20T19:24:42.366-06:00Notas sobre o MéxicoDesde quando visitei o país pela primeira vez em 1998, em Ciudad Juarez, fronteira com El Paso no lado texano-americano, o México exerceu um fascínio anormal sobre mim. Desde então estive duas vezes na Cidade do México e mais recentemente duas vezes em Nuevo Laredo, na fronteira mais ao sul. Caí de quatro por sua riqueza cultural, sua culinária original e curiosa, sua ancestralidade azteca, seu caos sem ordem, suas cores abertas, sua religiosidade latina, sua música mestiça, seu povo ao mesmo tempo encantador, submisso, explorado e bravo. O México é um país que sangra e não falo da violência que lhe toma almas diariamente na guerra do narcotráfico ou na pobreza das suas sarjetas. Sangra no sentido de levar alimento para meus órgãos, meus músculos, meus olhos, meu tato, meu paladar e meu cérebro, saciando minha fome vampiresca por cultura estrangeira. <br /><br />Hoje, a menos de suas semanas de me distanciar fisicamente desta fronteira geográfica, edito aqui o relato que fiz para amigos e familiares quando visitei Nuevo Laredo pela primeira em 13 de maio de 2009:<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3Hb3QXLvWxRBzpzMuKQUFKNs8gze2tS2h2h4KvUD5rK6yrfVLP3o_EquV7hcUHksX-bKLq956xmyC69yQ1n6vRKeBha3YrbUEodENJS7JjboEP0TOs93UKPIy1Sef9BoJgZ-ppa_hGInv/s1600-h/Imagem+064.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3Hb3QXLvWxRBzpzMuKQUFKNs8gze2tS2h2h4KvUD5rK6yrfVLP3o_EquV7hcUHksX-bKLq956xmyC69yQ1n6vRKeBha3YrbUEodENJS7JjboEP0TOs93UKPIy1Sef9BoJgZ-ppa_hGInv/s320/Imagem+064.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5428580712518340386" /></a> Na quarta-feira cruzamos a fronteira para Nuevo Laredo. Por pouco não fui, pois de uns três anos pra cá brasileiros precisam tirar visto para entrar no México, devido à quantidade de brasileiros ilegais que entram nos Estados Unidos via o país latino. W. tem amigos no consulado mexicano, então pela manhã paramos por lá para checar os pormenores da minha documentação. O cara do consulado me perguntou o que eu queria fazer no México. Expliquei que queria comprar tequila e ele achou aquilo engraçadíssimo. Então esclareceu que eu poderia cruzar a fronteira sem problemas, só não poderia sair dos limites da cidade. Aproximadamente a partir do marco 26km ao sul de Nuevo Laredo há um <em>checkpoint </em>de imigração e o visto a partir dali torna-se obrigatório. Assim, no final da tarde, após ter parado num bar bem furreco em Laredo para tomar um trago gelado de Don Julio (uma excelente tequila para os não familiarizados), cruzamos o Rio Grande através da Ponte Internacional número 1. São duas as pontes que fazem a travessia Laredo-Nuevo Laredo. Preferimos ir a pé, para evitar o trânsito denso da ponte no nosso retorno. Um frio na minha barriga por voltar a pisar em solo sagrado. <br /> <br />Descobri que a melhor coisa de Laredo é Nuevo Laredo. O México sempre teve este poder alucinante sobre a minha pessoa. Me sinto viva, numa sensação de embriaguez que é muito maior do que a tequila que sempre me acompanha nas minhas idas pra lá. As pessoas daqui morrem de medo de cruzar a ponte, pois houve um aumento muito grande de violência na fronteira por conta dos cartéis do narcotráfico. Coisas tipo tacar fogo nos inimigos, sequestros, cortar cabecas e outras gentilezas. Devem ter aprendido com os <em>hermanos </em>cariocas. Logo que cruzamos a ponte, havia um tanque do exército mexicano cercado por soldados. Depois de oito anos de Rio de Janeiro, já tenho um PhD em violência urbana, então eu estava tranquila. <br /> <br />Quem nos acompanhou aquele tarde foi Tom, um grande amigo de W., um senhor de sessenta e tantos anos, cara de Papai Noel, lobista político, ex-executivo de empresas texanas de gás e petróleo que ja morou na Bolívia e no Peru, democrata liberal que trabalhou com W. na campanha presidencial de Obama, figuraça que nos anos 60 foi <em>host </em> por mais de uma vez de ninguém menos que Jorge Luis Borges quando ele visitou a Universidade do Texas em Austin. Descobri que o Texas inspirou Borges, levando-o inclusive a escrever um belo poema:<br /><br /><em>Texas<br /><br />Aquí también. Aquí como en el otro<br />Confín del continente, el infinito<br />Campo en que muere solitario el grito;<br />Aquí también el indio, el lazo, el potro.<br />Aquí también el pájaro secreto<br />Que sobre los fragores de la historia<br />Canta para una tarde y su memoria;<br />Aquí también el místico alfabeto<br />De los astros, que hoy dictan a mi cálamo<br />Nombres que el incesante laberinto<br />De los días no arrastra: San Jacinto<br />Y esas otras Termópilas, el Álamo.<br />Aquí también esa desconocida<br />Y anciana y breve cosa que es la vida. </em><br /><br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXsWXoHu7B9KV7xPLbr2FsSmjmD8RAfQBp4xzw7_uouJTn9Gccjx88x1Mylwq77tma5PnshJ6hyphenhyphenRxTlRc4Z-3dKPbBu1VjyT4VdSrApTvberDrTEqIoLapadpaQVH4UBgcWQ3QhjhKAHTi/s1600-h/Imagem+077.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXsWXoHu7B9KV7xPLbr2FsSmjmD8RAfQBp4xzw7_uouJTn9Gccjx88x1Mylwq77tma5PnshJ6hyphenhyphenRxTlRc4Z-3dKPbBu1VjyT4VdSrApTvberDrTEqIoLapadpaQVH4UBgcWQ3QhjhKAHTi/s320/Imagem+077.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5428583182537772626" /></a> A primeira vista de Nuevo Laredo traz ruas apertadas, barraquinhas de comida por todos os lados, cabritos assados enfiados num pau na vitrine de um restaurante, lojas com letreiros pintados à mão com caligrafia bem amadora. Fiquei sabendo depois que homens falando baixinho ofereceram algumas ilegalidades a Tom e W.: Viagra, cocaína, marijuana. <em>No, gracias.</em> Circulamos rapidamente por algumas lojas do mercado de dois andares a poucas quadras da ponte à procura de vestidos mexicanos. Muitas cores, bordados, máscaras de luta livre, <em>piñatas</em>, crianças vendendo doces, pedintes...nossa América Latina em seu normal estado mas com cheiro forte de pimenta <em>jalapeño</em>. Paramos em vários bares bem <em>hole in the wall</em> (tradução literal: buraco na parede, ou em bom português, boteco fuleiro). Imediatamente cantores vinham atrás de nós, cobrando nada menos que cinco dólares por canção. Que iTunes que nada: a indústria musical deveria seguir o exemplo do México para fazer dinheiro! Mas eu quis nos dar aquele pequeno luxo e paguei um senhor de cara afilada para tocar "Las Golondrinas" no seu violino. Era lindo e ao mesmo tempo triste. Tentei me concentrar apenas na arte deste senhor, mas a verdade é que a sua cara de pobreza me desconcertava.<br /> <br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSvVn7s4XE3GWQ-CPcf_yP-c2D-EStt2uKjn8_fQMgvQQeBKpNV85yNJepcAamZHoMqOc-U4ULkgBcFnJ-eGwzAGVY7TI5bD7vW9osn175zrxNvbAFkS7vI4ZFirnUa099NNRgsAm02xTk/s1600-h/Imagem+071.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSvVn7s4XE3GWQ-CPcf_yP-c2D-EStt2uKjn8_fQMgvQQeBKpNV85yNJepcAamZHoMqOc-U4ULkgBcFnJ-eGwzAGVY7TI5bD7vW9osn175zrxNvbAFkS7vI4ZFirnUa099NNRgsAm02xTk/s320/Imagem+071.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5428581396831482674" /></a>Um dos bares que paramos foi o Santa Helena, que não tem placa com nome do lado de fora por proibição da prefeitura e para desgosto do gerente do bar. Está cravado ali no centro de Nuevo Laredo há mais de 100 anos. Não chega a ser um botequim de quinta. Super escuro por dentro, com paredes repletas de garrafas de bebidas e retratos de Zapata, de uma loira gostosona estilo Baywatch, uma Maja e Los Tres Reyes, "<em>los mejores cantantes de México</em>", segundo o gerente do bar. Nas mesas, bigodudos mal encarados que não esboçavam sorriso algum. Pouquíssimas mulheres, apenas eu e mais duas. Os olhares voltados para nós, os únicos gringos, degustando as cervejas locais Tecate, Indio, Negra Modelo. Não sou cervejeira, mas como são deliciosas as cervejas mexicanas. <br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYEs5aSj1_o8jgHozSDz9SFk0uBKFmgZhCHmfS7w2MOlaqvTCBrr2n5pCwOYxZFDSmzU7H4han8dsEopwmBQ5a3Khe9shQpBebx97gd6E8E0VsdxZkICR7AIsJmmgKBkNoKK1y7bECRPuM/s1600-h/Imagem+078.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYEs5aSj1_o8jgHozSDz9SFk0uBKFmgZhCHmfS7w2MOlaqvTCBrr2n5pCwOYxZFDSmzU7H4han8dsEopwmBQ5a3Khe9shQpBebx97gd6E8E0VsdxZkICR7AIsJmmgKBkNoKK1y7bECRPuM/s320/Imagem+078.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5428581763925664514" /></a> <br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgiyVA6VACipT2IZQEsH-TfRKJ-tscUEUBZ2DmikN993gmmH1vnDKogxbaNwdpy0_a524FgLf_eTW7Q7GJlhCEB2oE5ix9ooE1D_08CJAQsRUIUMjZWNf3oHbZ8fR4gMdCvnIOUhtAi0-xP/s1600-h/Imagem+079.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgiyVA6VACipT2IZQEsH-TfRKJ-tscUEUBZ2DmikN993gmmH1vnDKogxbaNwdpy0_a524FgLf_eTW7Q7GJlhCEB2oE5ix9ooE1D_08CJAQsRUIUMjZWNf3oHbZ8fR4gMdCvnIOUhtAi0-xP/s320/Imagem+079.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5428582113809762098" /></a> Nos fundos do bar, ao lado do banheiro mínimo, um altar com várias oferendas de pão, maçã e tequila para la <em>Santa Muerte</em>. Descobri depois que ela -- sim, a própria Morte com cara de caveira e cajado --é a padroeira dos narcotraficantes. Tom não me recomendou tirar fotos ali, mas W. explicou que eu era brasileira e imediatamente um rapaz novinho me acompanhou para tirar fotos da oferenda. O gerente do bar, quando soube que eu era brasileira, acionou a radiola de ficha que começou a tocar Roberto Carlos em espanhol "Amada amante/amada amante". E a vida pulsando, exatamente como deve ser.<br /><br />xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx<br /><br />Este mês de janeiro de 2010, logo após receber minha permissão para sair do país, fiz minha segunda incursão a Nuevo Laredo. Era um sábado frio de sair fumacinha da boca, diferentemente daquela primavera de derreter miolos de oito meses atrás. Cruzar a ponte era excitante, mas eu sentia o desconforto do medo. É uma coceira na boca do estômago. Eu já havia comido do fruto proibido, assistido ao noticiário local e nacional que intimida qualquer pessoa a querer passar para o outro lado. Nuevo Laredo é retratada como um sanguinolento palco de guerra onde sua vida pode ir embora na primeira esquina. Desta vez éramos apenas eu e W. e estávamos de carro. Eu consigo me mesclar bem com a população local, mas W., com sua pela muito branca, seu cabelo loiro e seus olhos verdes é o gringo no seu mais comum estereótipo. Eu amava estar novamente em solo mexicano, mas uma eu medrosa queria que as horas passassem rapidamente para que eu já estivesse de volta na "segurança" da minha casa texana. Eu queria ser um pouco mais ignorante naquela ocasião. <br /><br />Voltamos ao mercado. Nada de calefação nas lojas. Minhas mãos e pés congelavam. Compramos alguns vestidos e objetos de decoração: uns lustres em forma de estrela e lindos bichinhos de madeira de Oaxaca para o apartamento novo. Paguei 30 centavos de dólar para fazer xixi. Um senhor fazia montinhos de papel higiênico e recolhia o dinheiro. O banheiro era limpinho. Na América Latina é possível fazer dinheiro com o gerenciamento de banheiros. Minha mente sob o efeito do medo imaginava que um tiroteio começaria naquele mercado a qualquer minuto, eu e W. nos escondendo atrás dos vestidos, pânico generalizado. Mas não havia vestígios de nada daquilo. Apenas uma calma reinante, vendedores cordiais, nem mesmo um pedinte sequer. <br /><br />Nas ruas as barraquinhas de mariscos anunciavam sopa de polvo. Já fui mais corajosa: dispensei. W. me levou para almoçar no El Rincón de Veracruz, um restaurante pequenininho e super simples mais para dentro da cidade. Como lembrava Juazeiro da Bahia aquela Nuevo Laredo de ruas apertadas. A comida do Rincón era deliciosa. Pedi umas <em>tortillas </em>de milho macias cobertas com creme de feijão, linguiça defumada picadinha e queijo fresco. E claro, um creme de pimenta verde por cima para esquentar o corpo naquele dia frio. Sou devota do gosto confortante das <em>tortillas </em>de milho. W. estava inseguro em deixar o carro longe da nossa vista. Eu também. Mas dentro do restaurante só chegavam famílias e crianças. De perturbadas ali, apenas as nossas mentes americanizadas.<br /><br />Aguardamos mais de uma hora na fila da ponte para entrar no Texas. Ao meu lado, uma gigantesca bandeira mexicana flemulava com sua águia segurando uma serpente pelo bico. Espero ter esta destreza para enfrentar minhas paranóias e pensamentos peçonhentos. Não sei quando retornarei àquele país, mas tomara que não tarde. Há sempre um fôlego renovado que emerge daquela terra que tempera meu juízo.Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-59902971079480417922010-01-16T09:18:00.000-06:002010-01-16T14:47:50.233-06:00Garage sale<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgh8ducebB2huJpahiHUmc7df5_kwMw8up4rYg4YV_wKPHptJA8mcqiL6zBw38Y-CoFjR2Z__5tcdp37lO1KIqXMnhh5AJYqS0TcHNZLfAPZbnjJZHVqszDvN8G7cwf0cXojr30HTMeJ04D/s1600-h/laredo+out+nov+09+007.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgh8ducebB2huJpahiHUmc7df5_kwMw8up4rYg4YV_wKPHptJA8mcqiL6zBw38Y-CoFjR2Z__5tcdp37lO1KIqXMnhh5AJYqS0TcHNZLfAPZbnjJZHVqszDvN8G7cwf0cXojr30HTMeJ04D/s320/laredo+out+nov+09+007.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5427389575458592114" /></a><br />Neste instante minha casa é um mercado de pulgas em final de feira. A escuridão ainda esconde a alvorada mas chegam dezenas de compradores para levar aquilo que já foi útil ou apreciado um dia. Tenho virado expert em bazares, ou <em>garage sales</em> como são conhecidos por estas bandas. Algum sangue de comerciante turco deve correr nas minhas veias. Alguma cigana negociadora fugindo da inquisição em séculos distantes. O passado do meu marido indo embora a 70% de desconto. Seus quadros comprados na lua-de-mel com a primeira esposa. A faca que cortou o bolo do seu primeiro casamento hoje valeu 25 centavos de dólar. Mesa e cadeiras que servirão outras refeições, panelas que cozinharão outros temperos. A sala de jantar agora emana eco. A casa esvaziada. Um regozijo misturado com culpa dentro do meu coração e da minha carteira. Somos tão Madalenas nós mulheres. Mini-infartos em meu peito mais por ver seu passado indo parar em mãos alheias do que por ciúmes necessariamente. Me dou conta que ainda que meu marido tenha voluntariamente separado objetos para venda, a mesma não teria ocorrido não fosse por mim. Não fosse por nós. Não fosse pelos novos planos. Há sete meses também vendi meu passado em nome da nossa causa. Mas não adianta: frito ovos mexidos com linguiça defumada e lhe sirvo com voz doce sobre torradas como parte da minha sentença de réu culpada.<br /><br />Quando nos casamos e me mudei para sua casa me perguntava se um dia conseguiria me livrar dos objetos que eu não gostava. Quase todos. Minha mãe, do alto da sabedoria das suas quatro décadas de casamento, me ensinava a ter cuidado. "Estas coisas são delicadas, minha filha." Porém me perturbavam os móveis antiquados com pés de leão, os arranjos de plantas artificiais, os quadros onde concordávamos apenas com o colorido das cores. Com os meses aprendi a ignorar os objetos que me doíam a vista. Percebi que a estratégia era não confrontar o gosto do meu marido. Aos poucos fui mostrando outros estilos, outros projetos. Sempre que havia uma chance eu fazia questão de entrar numa loja de móveis, mostrar outros conceitos de arte nas galerias que visitamos. Percebi que concordávamos em quase tudo e não em quase nada. Cabia apenas a mim conduzir a situação e trazer outros olhares. A chave era delicadeza. Cabia a mim saber ser mais esposa. A velha cigana negociadora abrindo fronteiras. <br /><br />Há três grupos de compradores nas <em>garage sales</em>. Aqueles que têm condições de comprar coisas novas mas estão à procura de uma boa oferta, os que compram para revender e os que compram objetos de segunda-mão por total necessidade. Nesta cidade o segundo e terceiro grupo são maioria. Há profissionais de <em>garage sale</em> que acordam às 4h da manhã atrás de objetos que podem depois ser revendidos no México por três vezes o preço da compra. E há aqueles em busca de migalhas que lhes garantam um mínimo de dignidade, como a menina de uns 12 anos e olhar desesperado que me perguntava se eu tinha algum resto de perfume para lhe vender. Por que não lembrei de lhe dar o resto daquela fragrância que raramente uso? Eu poderia ter lhe dado, menininha. De graça. Jamais lhe venderia um resto de glamour. Qualquer coisa para diminuir a inquietude das suas pupilas. Não entendo porque minha compaixão só apareceu quando você partiu.<br /><br />Aprendi a exercitar o desapego a objetos neste país, mais precisamente no ano 2000. Meu apartamento incendiou e perdi quase tudo. Entre as cinzas, com leves chamuscadas mas praticamente intactos, estavam as fotos e diários dos quatro anos anteriores que eu havia vivido aqui. Percebi que no fim das contas as memórias são tudo o que levamos da vida. E eu não queria perder as memórias exatamente da forma em que foram vivenciadas. O tempo nos modifica, mas retém as palavras. Palavras são imortais quando registradas e até mais reais que as fotografias. Por vezes não me reconheço em antigos cadernos redigidos a mão. Fotos, por outro lado, quase sempre carregam a superficialidade da nossa vaidade. Sorrimos mesmo quando a dor é dilacerante. Mas as fotografias não deixam de ser um mergulho no passado, uma lembrança de quem fomos, uma saudade de quem pretendíamos ser. Uma bola de cristal ao avesso.<br /><br />Muito já foi falado sobre a alma dos objetos. Objetos que carregam a energia dos seus donos. Quando fiz um bazar para deixar o Brasil antes de me casar, algumas pessoas me confidenciaram que nunca compravam objetos de segunda-mão, mas que abririam exceção para os meus porque eu emanava energia positiva. Verdade. A felicidade em vendê-los era maior do que a dor de perdê-los. Algo muito especial estava em jogo na minha vida. Caso fosse por necessidade grave, como problemas financeiros ou de saúde, um pouco da minha dor iria junto na transação. <br /><br />O dia raiou e o pouco que sobrou será doado. Um balde de silicone, um contador de moedas, uma guirlanda outonal, duas camisas surradas, um par de muletas. Já fechamos as portas, já contamos o apurado. Há o suficiente para pagar o caminhão da mudança. Os objetos já circulam por aí com seus novos donos, outros aguardam adoção. Há o projeto de um apartamento na cidade nova com decoração a quatro mãos. Há o prelúdio de uma casa que se parecerá mais com nós do que apenas com ele. Em breve chegará a nossa vez de varar a alvorada atrás de boas barganhas. Há um certo charme nesta busca quando integramos a categoria dos não-necessitados. Pago um bom preço por objetos com almas leves e passados passado a limpo.Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-32849092872671871342010-01-06T11:08:00.000-06:002010-01-07T09:27:58.467-06:00Tábula rasa<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhivODEEFABkJcMa7xPJ5opB7wtF6ASgUkC5ll3Hhvri0iIdwMwxoNYxFTcaQQV1HIoiT8pHcfZutpgPag6jwxezMK2w-j8JMLNjOuAL7Sg-NvjfpqPMmhDjNiHg4xyt5HxLQ-iBUS-_IVo/s1600-h/new+year+2010+houston+002.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 240px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhivODEEFABkJcMa7xPJ5opB7wtF6ASgUkC5ll3Hhvri0iIdwMwxoNYxFTcaQQV1HIoiT8pHcfZutpgPag6jwxezMK2w-j8JMLNjOuAL7Sg-NvjfpqPMmhDjNiHg4xyt5HxLQ-iBUS-_IVo/s320/new+year+2010+houston+002.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5423732820032320530" /></a><br />O ano novo chegou há uma semana, mas aquela sensação de poder recomeçar ainda persiste. Acredito que a palavra que mais expressa o significado de um novo ano é esperança. Esperamos colocar em prática os planos, esperamos não mais procrastinar, esperamos nos dar primeiras e segundas chances. Ainda que nada mude de fato -- apenas uma folhinha nova no calendário -- o que seria de nós sem a contagem do tempo, sem o tiquetaquear do relógio, sem a noção exata de que há 365 dias, às vezes 366? E se um ano tivesse 1000 dias, ou se o dia fosse a contagem de três sóis e três luas, postergaríamos menos os nossos planos?<br /><br />Fiz os meus para 2010, não sem antes examinar os que havia listado para 2009. Sim, listados em <em>bullet points</em> no meu Moleskine e consultados ao longo dos meses do que ano que se foi. Pode parecer psicótico, mas ajuda a manter a mente em perspectiva. Mas atenção: faz-se extremamente necessário saber adaptar-se à realidade e às mudanças inesperadas que a vida nos traz. Na minha lista havia o plano de ganhar pelo menos R$ 1000 a mais de salário mensal e batalhar uma promoção para ser transferida para a Europa. Ainda arrasada com o final de um relacionamento super problemático, não havia nada sobre encontrar um cara legal. Até porque é o tipo da coisa que não se encontra em prateleira de supermercado, mas pelo menos dá para tentar fugir dos padrões passados que sempre acabam em encrenca. Já no primeiro semestre acabei reencontrando um grande amigo que eu não via há uma década, me apaixonando, aceitando me casar com ele e me mudando para os Estados Unidos onde fiquei sem emprego durante todo o segundo semestre aguardando a autorização para trabalhar. E só fiz gastar dinheiro (investir numa mudança de vida talvez seja a colocação mais exata para aliviar qualquer sinal de culpa). Também havia indicado que queria ficar 100% fluente em francês. Acabei vindo parar na fronteira com o México, onde desenferrujei o espanhol e acabei falando este idioma quase tanto quanto o inglês. Consegui fazer massagens semanalmente e ler um livro a cada dois meses somente enquanto morava no Brasil, não fui a sessões de Reiki, não comecei o roteiro de um argumento de filme que eu havia criado em 2008, nem assisti a todos os filmes clássicos que sempre quis assistir na vida mas sempre tive preguiça. Por outro lado, os planos listados no caderninho que se tornaram reais incluem ter voltado a fazer esporte no mínimo três vezes por semana, ter tomado classes de violão e me recuperado totalmente da cirurgia da coluna realizada em janeiro de 2008. Desde o último outubro, após beber por três dias consecutivos um potente chá de sucupira com sementes contrabandeadas receitado por meu pai, me casar, deixar passar o embaralhamento de sensações quando se faz uma mudança radical de vida, entender porque eu ficava sempre tão ansiosa no trabalho e ter tempo para relaxar, não senti mais dor nenhuma. Até o meu pé direito, que ainda apresentava uma quase imperceptível paralisia, está curado. Em paralelo à construção da lista do ano que acabou de entrar, também fiz a lista dos agradecimentos ao ano que passou. É calmante, cicatrizante e confortante poder compreender as bênçãos que nos chegam e agradecer às forças além desta vida que nos protegem e encorajam.<br /><br />Para 2010, diminuí bastante os objetivos, visando manter o foco e minimizar minha ansiedade. Reescrevi alguns planos não concretizados em 2009 e adicionei novos, como fazer voluntariado. Acredito que tenha listado metas alcancáveis, mas novamente aguardo as surpresas do caminho. É bem provável que "o inesperado faça uma surpresa" como diz a canção de velhos festivais. Mas sou daquelas que leu Paulo Coelho aos 16 anos e, por mais que hoje eu não tenha a menor paciência para abraçar sua obra, retive a mensagem <em>New Age</em> (<em>New </em>Piegas?) de que "quando você realmente quer algo, o universo conspira ao seu favor". <br /><br />O reveillon 2009/2010 foi o mais calmo dos últimos tempos. Este ano não teve banho de ervas de descarrego do pescoço pra baixo nem banho de ervas para abrir os caminhos. E olha que fui atrás: rodei Laredo por umas duas horas procurando uma <em>hierbaria</em>, ou casa que vende ervas e artigos religiosos, e quando finalmente a encontrei não tive coragem de entrar. Era um barraco caindo aos pedaços numa área gueto da cidade. Liguei para o número indicado na placa e uma senhora falando em espanhol com voz de bruxa de cara verde e pinta na ponta do nariz atendeu. Amarelei. Então me dei conta que quando em Roma, faça como os romanos, ou adapte-se com o que tiver ao seu alcance. Não houve festão porque deu preguiça de sair de casa, mas houve a incorporação estilizada de alguns rituais: da sacada do apartamento dos meus primos em Houston, que estavam de férias no Brasil, eu e meu marido brindamos o ano usando roupões que encontramos no banheiro de hóspedes e quebraram o galho quanto ao quesito roupa branca. Eu até havia comprado uma calcinha verde para chamar dinheiro, mas a esqueci em Laredo. Usei uma calcinha multicolor não-virgem. Bateu um medinho, confesso; é difícil se libertar de algumas tradições. À meia-noite apenas nosso pé direito tocava o chão. O champanhe congelou e eu jamais faria idéia que espumante virava gelo. Medinho voltou. Ficamos no vinho tinto de rótulo <em>Mènage à Trois</em>. Só rindo mesmo. Em vez do banquete, um prato de queijos, hummus e salame -- afinal, o porco fuça pra frente e não cisca pra trás, e este ano o slogan é "em frente e avante". Vi as últimas luzes do ano no hemisfério norte. Uma brisa fria soprava na cidade. Ao longe, fogos de artifício em alguma casa animada. <br /><br />Amanheceu 2010 e o ano já começou cheio de recomeços: no dia 02 achamos um apartamento para alugar em Houston, para onde nos mudamos no final deste mês. Estilo <em>loft</em>, charmoso, numa área gostosa da cidade. No dia 04 uma carta da Imigração indicava que já estou autorizada a entrar e sair do país (México, melhor preparar uma piscina de margaritas para me receber!). No natal eu já havia recebido um presentão da Imigração: um e-mail indicando que minha permissão para trabalhar foi autorizada e que eu deveria recebê-la até o final do mês. Ontem chegou a dita cuja, recepcionada por cinco minutos de puros berros de alegria e empolgação. Engraçado que logo em seguida a trilha sonora foi "lerê lerê, lererê lererê". A vida de dona de casa em tempo integral em breve acabará. Os currículos estão aos poucos sendo enviados. Uma outra etapa se inicia, seguida de um inerente frio na barriga. A vontade é de mudar completamente de carreira (e por que não recomeçar MESMO?), mas estou optando pelo caminho mais fácil, que é trabalhar na minha área. Os salários são descentes e neste momento dinheiro é meu plano de curto prazo: dinheiro para decorar a casa nova, comprar roupas, supérfluos necessários e viajar. Deixar o marido focar nos empréstimos dele adquiridos antes do nosso casamento para em até um ano podermos respirar tranquilamente. <br /><br />Os planos estão na trilha certa, a vida está se ajeitando. Vez por outra bate uma insegurança, um receio de um inesperado de natureza negativa chegar e acabar com a festa. Mas xô, xô. Faço banhos mentais de descarrego. Tique-taque, tique-taque e já é Dia de Reis. As casas começam a retirar a decoração natalina. Qualquer vestígio de 2009 já ficou para trás. Em frente e avante.Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3979598438513650907.post-20797498066142412772009-12-24T09:00:00.001-06:002009-12-24T10:03:01.739-06:00NatalEntão é véspera de Natal e os ventos mudaram a partir da meia-noite trazendo um friozinho de estalar a espinha. O meio-oeste é um tapete branco mas não há sinal de neve por aqui. Há um sol dourado, um céu muito azul e um vento que derruba cadeiras no quintal. Na fronteira os mexicanos preparam seus tamales, deliciosas iguarias à base de milho, semelhante a uma pequena pamonha salgada, para celebrar a <em>Noche Buena</em>. Dona Amélia, minha diarista, me trouxe uma dúzia feitos por ela na mais autêntica tradição, com pimenta boa e brava. Os mais fincados no lado texano do Rio Grande celebram a data no dia 25. O trânsito durante a semana na divisa dos dois países esteve intenso, com a leva de mexicanos cruzando a ponte para festejar a data ao lado da família. Se existe recessão, a impressão que se tem é que ela acabou por aqui. Prateleiras estão vazias nas lojas e desde o final de novembro as filas estão enormes -- talvez porque os estabelecimentos tenham deixado de contratar trabalhadores temporários. Papai Noel fala espanhol e vende queijos com geléias no supermercado onde eu deixo para comprar tudo de última hora. Um presunto defumado para a noite de 24, um peru para o almoço do 25. O chutney de manga já está pronto desde a noite passada. A casa cheira a gengibre e especiarias. Gelatina colorida de sobremesa. Eu, a segunda geração, já incorporo as tradições da primeira. E crio novas, como um escondidinho de linguiça. Roberto Carlos não toca na TV, mas não sinto a menor falta. Os hinos natalinos ganham nova roupagem em forma de jazz, rock e R&B no Starbucks local, onde bebo meu Caramel Brulé Latte no mais puro estilo <em>new yuppie</em>. Me reúno com os amigos recentes para organizar uma grande festa para 80 pessoas na noite do 25 numa charmosa galeria de arte no centro da cidade. Escolhemos os panos para enfeitar o local. Seleciono as cores: verde, roxo e prata, uma intensidade de contrastes. Tento sentir o mesmo frio da barriga de anos atrás quando a data de hoje chegava, mas meu termômetro está em temperatura natural. Este ano não há árvore. A mudança iminente para a nova cidade pediu prudência nos gastos com decoração. Apenas uma meia vermelha e outra verde na janela da sala, aguardando um Papai Noel que que terá que entrar pelo buraco da coifa da cozinha na falta de uma chaminé. Será um natal de duas pessoas, um primeiro natal de casados, ao lado de uma gatinha e duas cachorrinhas. Um bebê e seria quase um presépio. Passo a semana tentando me lembrar porque é que celebramos o natal. O sentido religioso há muito tempo se foi, hoje é tudo comércio, mas também família. Ainda assim à noite vou ler em voz alta um trecho da Bíblia, voltar às origens, celebrar um hippie 2000 anos à frente do seu tempo que veio à Terra com uma mensagem de paz, só não ficou tão pop como Buda ou o Dalai Lama. Um pouco de incenso faria bem a este mundo. Assim como algumas doses cavalares de boa vontade. Mas celebremos. Feliz Noche Buena, Merry Christmas, Feliz Natal a todos.Juliana Desbra Vandohttp://www.blogger.com/profile/02847300063164608569noreply@blogger.com1